Fio da Meada

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Era pelos tempos de República.

Taciturno e absorto, muito embora esteja bem junto ao meu velho Pai - um padeiro aposentado -, observo rente a janela que dá para a rua, o último suspiro de sol que se esvai com o nascer da Lua.

Em dado momento aproxima-se uma mulher cabisbaixa usando saiotes pretos, meias e mantilha de mesma cor - Boa tarde Dona Rosa! - disse-lhe em tom cortês. A rapariga, já era muito velha, por volta de seus 70 anos, mas gozava de uma saúde invejável a qualquer garota de meia idade. Não vá confundir o leitor o termo saúde com beleza, pois o segundo a simpática Rosa talvez nunca tivesse possuído materialmente tal delicadeza. Contínuo então o causo.


Ela me cumprimentou de volta dizendo:-

-Oh compadre, como vão as coisas? Cadê o teu velho Pai? Já melhoraste das enfermidades que o afligiram a alguns meses?

-Ele está aqui, anda melhor das juntas e da pressão. A ferida que se abriu, não se sabe como, e demora por demais a se curar como as de um diabético, já estão ao final do caminho de penitência.

-Uai, que notícia boa compadre. Mande um abraço para ele, dize-lhes que aprecio muito e que sinto-lhe falta na padaria. Dedicarei-lhe um terço por precaução, em causa de sua melhora.


E assim continuou ela andando até sua casa que se localizava ao lado esquerdo da avenida mais pro final do quarteirão. Casa essa que vai servir de palco para confusões futuras.

Na casa posta rente a linha férrea que passava paralela ao outro lado da avenida; em uma casa azul, postou a morar um homem alto e muito dos estranhos que não falava muito com a vizinhança, privacidade essa que era muito rara dado a bisbilhotagem profissional dos vizinhos que em qualquer aumento de tom, por mais singelo que fosse, já corriam com os ouvidos a parede e com as caras porta afora para ouvir o que se sucedia. Dado a privacidade do homem e a avidez e langacidade com a qual se desfazia das conversas e esquivava-se das fofocas, já era notável a qualquer morador daquela rua, de que ali não o pertencia. E estavam todos enganados. Descobriram depois que o tal homem nasceu aqui pelas vizinhanças e que daqui saiu na sua tenra mocidade e só voltara agora depois na idade de Cristo. Já maduro; o homem veio com uma mão na frente e outra atrás, pondo-se a mercê da caridade de seus vizinhos para criar as primeiras raízes na terra natal depois de muito tempo.

Saiba o leitor que em tempos como aqueles; ao menos nas pequenas cidades do interior de Minas Gerais; a vida não mudava muito e se passando sempre à margem dos progressos e regressos da humanidade. De nada mudava aqui a vida por guerra ou fome mundo a fora; a cidade é conhecida por seus moradores carinhosamente por "buraco negro" pois quem aqui entra e cria raízes, nunca mais há de sair. O clima aconchegante, esvaído e preguiçoso da cidade é tão cativante como o canto das sereias ou se preferir; como os cantos polifônicos dos pequenos na igreja de Santo Antônio, que é o grande e amado padroeiro da cidade. Para situar melhor o leitor; estamos falando do ano da abertura da Polônia das garras da URSS.

Já em terra novamente; meu Pai que tentava sem sucesso consertar um velho relógio de parede que havia ganhado de seu falecido amigo; voltou-se para a janela junto a mim a observar a giganta que se esvai nas montanhas ao longe no horizonte. Quando o silêncio foi quebrado por um barulho de portão que se fecha por quem nunca mais há de voltar. Era a mulher do tal homem que saía com umas malas amarrotadas e entrava porta a dentro de um táxi. Curioso com aquilo tudo; resolveu-se que talvez melhor sair a rua para que com sorte se escute a fofoca do que se sucedera daquele infortúnio. E assim fiz eu; sem dar muito alarde é claro, prostrei-me a porta da vizinha do tal homem que murmurava preocupada.

Os RibeirosWhere stories live. Discover now