A Vaca Rumo ao Brejo.

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Pode-se dizer que o caldo já estava entornado e vaca pro brejo a tempos. Visto que o sangue da família Ribeiro não era dos melhores e que apesar das aventuras do nosso vistoso Zé, já tinham destino traçado logo no seu nascimento. Concluo que o Leitor já deve ter passado por encruzilhadas parecidas, e que também já tenha torrado meia dúzia de miolos tentando resolver o problema do livre arbítrio. Problema esse que a nossa vã filosofia ainda não conseguiu resolver com êxito. Dado a natureza do problema, que não há de ser material ou espiritual, mas um problemas de peso e medidas. Com acertos e erros aqui e acolá, conclusões vazias de fatos que já aconteceram, a coisa toda no final da partilha se dá na alma mesma do indivíduo que lá borbulha suas dúvidas e, com instruções externas dos grandes que pensaram antes de você, tudo se mistura no caldeirão de incertezas da vida mesma. Mas o caldo começou a entornar mesmo, foi no primeiro Ribeiro a sair do ventre, que já tinha a cruz carregada de maus bofes. Peço licença ao leitor para encher linguiça com a lenda que ouvi pelas paredes de Dona Rosa, e que sem ela não podemos entender esse fuzuê todo.

Era pelos tempos de imperador.

O primeiro dos Ribeiros nasceu aqui mesmo. No mesmo lugar onde todos os Ribeiros saíram e vivos ou mortos, retornaram. Era um alfaiate dos grandes políticos, fidalgos, baronesas, marquesas, padres e bispos. Visto que ele era o único na cidade e um dos melhores da região até a capital, tinha ele gozo de grande reputação. Esperto como só nos negócios, volta e meia deixava uma renda por fazer, um terno por alinhar e quando o cliente ia-lhe reclamar, logo dizia que era nova moda em Madri, Paris, Lisboa ou qualquer outra cidade que se lembrava o nome na hora do aperto. Até então, não se sabia na época se nos culhões que acompanhavam o velho Ribeiro, tinha a possibilidade de ter filhas, já que a sua esposa a época, que veio de presente em um casamento arranjado, tinha o útero seco. E como não havia possibilidade de divórcio naquela época, a pobre moça, na ânsia de ter um anjinho para lhe pentear os cabelos, morder seus seios e contar histórias na hora de dormir, acabou que por fazer um ajeito com uma escrava parideira que ganhou liberdade graças a Isabel. Então combinou com a moça que cuidaria do negrinho como se fosse seu e que daria por fim aquela desgraça toda.

Como não tinha muitas opções, a preta se viu sem opções e logo que o menino desmamou foi levado a casa dos Ribeiro. E foi uma alegria só.

O bichinho era bonito que só, tinha os olhos verdes e era gorducho, hoje em dia poderia estampar alguma marca de fraldas de tão bonito. E vendo o coração grande que a esposa tinha, acabou que por pegar amor ao negrinho logo à primeira vista. Foram correndo fazer o batismo do menino com o Padre Rutthen. O velho padre de cabelos brancos, com uma barba enorme de dar inveja até mesmo a Dom Pedro, tinha fama de milagreiro pela região.

Na cerimônia do batismo, assim que se encerrou as firulas e o menino já estava devidamente batizado, uma velhinha adentrou a igreja sem aviso ou censura, fitou o Ribeiro com olhos de nuvem branca e disse em alto e bom som

-Esse há de pagar a dívida que fez com o Senhor. E há de aguentar todos os males que vão assombrar o teu nome. Você roubou a virgindade de minha filha e jogou no seu útero a semente podre que carrega nos bagos. A pobrezinha não aguentou, acabou-se por morrer a pouco junto com a filha na hora do parto, você me tirou tudo que tinha e carregar esse fardo junto ao nome até que a dívida está paga por completo. Olho por olho e dente por dente.


O Padre Rutthen olhou para o bonachão que ficou pálido como o branco da batina, já sabia que era verdade e ofereceu-se para fazer a confissão e advogar em causa do amigo frente a Cruz. O vaca foi pro brejo mesmo foi quando o Ribeiro negou até a morte a maldade que fez com a filha da frágil velhinha que nada tinha. E apesar de ter feito um bem a escrava que não tinha onde passar a vida, do outro, lhe pesava essa culpa que por ignorância e orgulho levou consigo.

O que se deu por depois foi que o Ribeiro, já lá pelo meio caminho da vida, apesar de tratar com respeito e pudor a esposa que tinha amarrada a alma o negrinho. Que amava também de corpo, deu-se a passar muitos dias fora de casa embrenhado em partidas de bisca; balcões sujos e de camas compartilhadas. Enquanto isso o negrinho crescia e crescia... esperto que só. Já tinha lá por seus 9 anos, quando que por demais crescido, já tomara para si a verdade de que não era de fato filho daquele bonachão e muito menos de Aparecida, esposa do Ribeiro. Dado a cor da pele e as demais diferenças da mãe e o jeito que lhe tratavam a rua o pequeno Leonardo, viu-se em um verdadeiro mato sem cachorro logo cedo. Explico ao leitor que não havia muito o que o Leonardo fazer aquela época, apesar de ter sido instruído a mando de seu Ribeiro e amado e protegido por Aparecida, seu destino seria definido mais por coisas que não se pode controlar ou prever.

A Dona Aparecida caiu adoentada na cama com uma febre dos diabos e durante 5 anos, sua alma foi deixando o corpo pouco a pouco até a hora de sua morte. Logo no começo da enfermidade já sabia ela que nunca mais seria capaz de nada, então, deu Leonardo ao celibato. Mandou o menino para a igreja para ser padre cappuccino, e o obediente rapaz foi para o Rio Grande do Sul seguir os passos de Frei. Aparecida também tratou de redimir-se de seus pecados e aproveitou a enfermidade para a penitência. E a margem desses acontecimentos o desmiolado Ribeiro fazia aquilo que sempre fez de melhor, queimar sua imagem com fama de xexeiro e doar-se a sommelier de aguardente em qualquer botica.

Em uma dessas andanças de semanas pela cidade grande a projetar ternos, mantilhas e batinas, quando voltou para a casa, a mulher que lhe acompanhará até ali, tinha batido as botas. O caixão já estava a 7 palmos de fundura a muitos dias, e o velho padre Rutten tinha encomendado sua alma aos céus por seus feitos.

Tomado por uma tristeza de fazer dó a um cachorro de rua, o Ribeiro dava-se pelos cantos a choramingar a morte da esposa e a solidão do filho que se foi para dar com Padres. Mesmo naquela moléstia, sua cama não há de ficar sem saia que a esquentar, deu-se que lá pelas tantas se apaixonou pela filha de um antigo Barão que passava pela região. Maria Antônia, que era em torno de 20 anos mais jovem que o nosso fidalgo. Acabou caindo na lábia do malandro. Esse que cego de amores pela Antônia, resolveu ir-se a pedir a mão da jovem ao Barão de Matraga.

Como essas histórias já se vêm aos montes o leitor já deve ter uma ideia do que se sucedeu na casa do tal Barão de Matraga, e foi o seguinte: O Barão, vendo a besteira que a filha estava fazendo, proibiu-a de ver o Ribeiro e Ribeiro então roubou a moça do seio familiar. O Matraga pé-da-vida, retirou a moça todos os dotes e bênçãos necessárias para o casamento e jurou nunca mais vê-la, nem ao menos considerava-a mais como carne de mesma carne. E assim foi. E depois de muita confusão e tentativas de tirar-lhe uma tira de couro das costas do Ribeiro, o Barão deixou a situação como estava e voltou-se para São Paulo onde tinha uma fazenda de café onde lá necessitavam da sua presença.

-Que vá você e esse malandro para o inferno! E tenho dito: de mim, não há de ver um tostão ou um punhado de terra sequer. Proíbo-a de visitar o meu túmulo, pois não criei filha para fazer papel de tiriça.

E como a história há de continuar; o Ribeiro foi feliz certo tempo e aos trancos e barrancos teve com ela seus filhos legítimos. Coisa que explicitar-ei ao leitor mais a frente. Pois uma série de cartas escritas à beira do abismo, do próprio Barão de Matraga, teve consequências importantes na vida de todos até aqui envolvidos. Principalmente as de Ribeiro, Leonardo e de Antônia, sua filha. Cartas essas que foram achados de meu Pai, o velho Padeiro, devido a seu parentesco distante com o Barão. E foram achadas postumamente sua ida por sua esposa, a Baronesa de Matraga.

Os RibeirosWhere stories live. Discover now