XLI - Imortais

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O Chester é um tipo prestável e obediente. No fundo, um bom rapaz. Ele faz tudo o que se lhe pede e é relativamente fácil convencê-lo a fazer isto ou aquilo. Não o vejo como alguém submisso, é mais no sentido de generoso, altruísta. Ele tem uma personalidade bem vincada e a bondade é uma das suas qualidades. Mas todos temos os nossos defeitos e acredito que o Chester terá os seus. Mesmo quando ele se mostrar menos afável, não irei apagar o conceito que já fiz dele. 

Numa das primeiras sessões de gravação da nossa música, na cave da minha casa onde tenho um estúdio improvisado que montei com a ajuda do Joe e que vai ser a rampa de lançamento dos Hybrid Theory, a nossa banda, percebi como poderei moldar o Chester à nossa maneira e extrair dele, para seu e nosso proveito, o que precisamos para finalmente iniciar a nossa carreira musical. Estarei a aproveitar-me da sua bondade? Que seja! Nesta fase, precisamos de avançar terra adentro e conquistar as nossas posições. Como soldados desesperados num campo de batalha em território hostil.

Então, admito, estou a aproveitar-me do Chester.

Estava a trabalhar numa das nossas canções mais pesadas, daqueles metal bem barulhentos em que o Brad fica com os dedos a sangrar – figurativamente falando. Eu andava às voltas com a letra e tinha inventado umas rimas, mas achava que o rap não se encaixava ali, precisava de uma voz que emparelhasse com a guitarra aflita do Brad. O Wakefield tinha gravado a sua parte vocal, quando ainda era o nosso vocalista, mas faltava-lhe energia e a canção estava uma bosta.

O Chester, entretanto, chegou e sentou-se no sofá que lhe servia de cama. Ficou calado a ver-me trabalhar na mesa de mistura. Não disse nada e eu também não lhe disse nada. Os dois já nos tínhamos apercebido da presença um do outro e estávamos bem.

Nem fazia ideia por onde costumava andar, sendo ele um forasteiro em Los Angeles. Ele não me contava e eu não lhe perguntava. O silêncio tácito à volta desse assunto não o incomodava, nem me melindrava.

Os meus pais gostaram do Chester e tentavam ajudá-lo, já que ele era nosso hóspede. Estou sempre a receber recados da minha mãe, que me pergunta constantemente se o Chester está bem instalado, se se sente confortável, se tem tudo o que precisa, num inquérito exaustivo que me leva a perder a paciência e a calar-me, pois não sei responder muito bem, já que nunca lhe faço essas perguntas. Ele é adulto, tem boca e pode fazer as suas queixas. Se não as faz, é porque está tudo bem. É simples. A minha mãe nem sempre percebe que é normal os rapazes não falarem sobre essas questões.

O Chester ainda está a tentar adaptar-se a nós e à cidade. O novo miúdo do bairro, um estereótipo da treta, mas é como as coisas são. O Chester pisa com cuidado o caminho que vai descobrindo e que lhe vão mostrando, tenta não revelar demasiado para não estragar as suas possibilidades, à partida. Joga pelo seguro. É natural. Se eu estivesse num lugar onde ninguém me conhecesse, também faria o mesmo. Levantar poucas ondas e tal.

- Liguei o microfone. Vem cantar isto.

O Chester levantou-se imediatamente do sofá e aproximou-se. Entreguei-lhe o microfone que não tinha um cabo muito longo. Ficou de pé junto à mesa, a hesitar. Preparei a canção para começar desde o início, preparei o gravador. Tudo digital e amador, mas mesmo assim requeria uma certa perícia e eu gostava de me exibir naquela pose profissional.

- Hum... vou cantar o quê?

- Primeiro quero que grites.

- Queres... que eu grite? – murmurou Chester num pequeno espanto. Mordeu os lábios e baixou os olhos, envergonhado, com receio de ter sido inconveniente.

- Sim... escuta a canção.

Passei o início da música, cerca de vinte segundos com a guitarra a arrancar numa berraria de cordas insanas.

O Lado Oculto da LuaWhere stories live. Discover now