SESSÃO CATARINA #03

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O vestido de Roberta era social e ela se arrependeu da escolha assim que saiu de casa. Parecia um tanto formal, como uma entrevista de emprego e não gostava de parecer tão séria em suas sessões. Teve uma batida forte na porta, Roberta foi abrir e Catarina estava com olheiras novamente, com um coque que parecia mais um ninho de pássaros e uma roupa que lembrava um pijama. Ela olhou para Roberta, que estava impecável, com um vestido social cinza, cabelo preso num coque perfeito, meia calça preta e salto alto.
- Tem uma entrevista de emprego, doutora?
Algo aconteceu, porque Catarina nunca foi sarcástica ou debochada antes. Ela entrou sem o convite, sentou no sofá e Roberta continuou parada a porta, em silêncio.
- Bem, eu cheguei cedo, espero que não tenha problema - Catarina, continuou a falar.
- Na verdade, tem - respondeu Roberta, secamente. - Gostaria que saísse e esperasse no banco, que tem ali fora, por mais... - olhou seu relógio de pulso - quinze minutos.
- Está brincando, né? Roberta a encarou, séria, ainda com a porta aberta. Catarina levantou, saiu, resmungou algo e a porta atrás dela foi fechada.

Respirou fundo, ligou a cafeteira, enquanto o café passava, fez uma ligação.
- Gostaria de marcar uma consulta com a Dra. Marília.
- Pra que dia? - perguntou a recepcionista do outro lado da linha
- Sexta, a tarde.
- Pode ser às 17 horas?
- Sim, está ótimo - passou seus dados e desligou.

Colocou o café na caneca, foi até a porta e chamou Catarina, que rapidamente retornou para a sala e sentou no mesmo lugar. Roberta, agora, fechou a porta, sentou em sua poltrona, deu um gole no seu café e colocou na mesa ao lado.
- O que foi aquilo? - perguntou Catarina.
- O que?
- Me expulsar da sua sala - respondeu em tom dramático.
- Não te expulsei. Você chegou antes e ainda tinha coisas para fazer, você perguntou se não tinha problemas e na verdade, tinha, porque queria resolver o que precisava no tempo que ainda me restava antes da sua sessão - explicou com mais calma do que realmente sentia.
- Não poderia esperar até depois da sessão?
- Você não poderia esperar até o horário da sua sessão?
- Não sei se percebeu, eu esperei.
- Então, qual é o problema? - Catarina arregalou os olhos, como se tivesse sido xingada. Roberta continuou: - O que está acontecendo com você hoje?
- Comigo, nada. E com você? - Catarina bufava a cada resposta calma de Roberta.
- Não está acontecendo nada? Tem certeza?
- O que isso quer dizer?
- Quer dizer exatamente o que perguntei: se tem certeza que nada está acontecendo? Catarina ponderou por tempo demais.
- Conversei com meu marido. 
 Sobre o que?
- Como assim, Roberta? - agora estava ficando possessa de novo.
- Na última sessão, você disse que ele estava mais fechado, se afastando, você estava com medo de conversar com ele, não sabia se queria ter uma conversa, porque tinha medo disso se encaminhar para uma separação. Então Catarina, sobre o que, exatamente, você conversou com ele? - seu coração estava acelerado, queria mandá-la embora, estava sem paciência para drama. - Sobre o que incomodava ele e sobre meu luto, sabe, pela minha mãe. - Roberta assentiu para que ela continuasse: - Disse que queria passar por essas fases, no meu tempo, que não queria opinião de terceiros sobre como eu deveria me sentir, a não ser que fosse para meu bem, mas que discurso de ódio disfarçado de bem estar, eu não precisava. Posso pegar um café?
- Daqui a pouco. O que ele disse sobre seu luto?
- Que era frescura eu ainda me sentir assim, que eu já deveria ter superado, que não sabe porque eu sofro tanto. Eu respondi que era a minha mãe e que se fosse com ele, não estaria sofrendo?
- E ele?
- Que sofreria por um tempo e acabou. Não tinha que alimentar essas coisas. - Roberta assentiu e disse:
- Pode pegar o café. - Catarina colocou na caneca e retornou ao sofá. Roberta continuou: - Como se sentiu quando ele te respondeu isso?
- Que estou casada com um homem sem coração, que agora sei o que a minha mãe viu nele para não gostar - "Demorou, hein, gatinha", pensou Roberta. - Ainda falei sobre o que estava acontecendo dele estar afastado, ele me disse que a presença da minha irmã morando lá, tirava nossa privacidade. Nisso eu tive que concordar e assim que a minha irmã melhorou, conversei com ela, que entendeu e arrumei um apartamento para ela próximo do meu - parou para dar um gole no café antes que esfriasse.
- Depois da conversa, as coisas melhoraram?
- Pouca coisa - mais um gole. - Depois de alguns dias, eu conversei com ele, de novo. Ele disse que sentia falta do que a gente era, de como eu era. Eu só respondi que aquela pessoa não existia mais, que eu era uma pessoa nova, em mudança, em transição e constante amadurecimento. Em vez dele querer que eu voltasse, poderia ter disposição para me conhecer - colocou a caneca na mesa de centro.
- O que ele disse?
"Que palhaçada é essa, Catarina?" - respondeu imitando a voz do marido - Foi exatamente assim que ele falou comigo. Disse que não tinha palhaçada, que era real o que estava dizendo e que se era tão difícil para ele tentar fazer dar certo, então a melhor solução seria a separação.
- E ele?
- Ficou surpreso, acho que toquei num ponto importante. Ele disse que não precisava ser tão radical, que ele tentaria e faria de tudo para dar certo.
- Isso é ótimo.
- Seria, porque tudo estava correndo de forma perfeita. Até ontem.
- O que aconteceu?
- Nós saímos, ficamos o dia todo na rua, chegamos em casa, pedimos o jantar, ficamos juntos e fomos tomar um banho juntos. Saí antes e fui me enxugar, ao chegar na sala para pegar uma garrafa de vinho, o celular dele estava vibrando - ela parou de falar e ficou olhando para o nada. - Catarina? - chamou Roberta. - O que aconteceu? Quem era?
- Vi que tinha ligações perdidas. Duas, pra ser mais exata, da mesma pessoa e logo depois, chegou uma mensagem: "Já estou com saudades de você."
- De quem era?
- Paula.
- Quem é a Paula?
- Também quero saber.
- Você perguntou a ele?
- Não. Eu fingi que nada estava acontecendo, bebemos mais vinho, mas não consegui dormir.
- Por que você não perguntou para ele?
- Pra ele mentir para mim?
- Como você sabe? Você não deu tempo, nem chance dele se explicar e ficou criando coisas na sua cabeça, baseado em um único nome feminino que você viu no celular dele.
- Está do lado dele?
- Não estou do lado de ninguém. Só não acho saudável para você ficar pensando em n coisas, podendo conversar com ele.
- E como falo algo assim?
- Você que vai achar o jeito perfeito, Catarina. Pode ser de forma direta, mas sem acusações.
- Acho que quero conhecê-la.
- Então conheça. - Catarina parecia em dúvida do que fazer.
- Olha, como eu disse na sessão passada, você não tem que fazer nada. Apenas o que sente a vontade. Não quer falar com ele agora? Tudo bem, mas lembre- se que guardar também pode te fazer mal. Quando se sentir a vontade, confortável, converse. Você não precisa salvar seu casamento, nem acabá-lo, a não ser que queira. - Ela assentiu e disse:
- Acho que nosso tempo acabou.
- Acho que sim - completou Roberta. - Catarina levantou, foi até a direção da porta, Roberta abriu.
- Desculpa se agi como uma babaca mais cedo.
- Tá tudo bem - disse Roberta.
- Não, não está. Obrigada e como sempre, me dá muito no que pensar. Roberta sorriu.
- Te vejo na próxima sessão.
- Com certeza.

Ao fechar a porta, o telefone tocou, ela correu para atender.
- Alô?
- Bom dia, por favor, a Dra. Roberta está? - disse a voz de um homem do outro lado da linha.
- É ela.
- Bom dia - disse de novo. Parecia nervoso. - Meu nome é Jonas, eu fui indicado pela Dra. Marília. Ela disse que se você não tiver horário para me indicar a outro psicólogo.
- Bom dia, Jonas. Eu tenho horário. Sexta, às 14 horas?
- Já? Hã.. Po.. Pode ser - gaguejou.
- Tem certeza?
- Sim - ele passou seus dados.
- Está marcado. Te vejo na sexta
 - Obrigado. Assim que desligou, ele tocou novamente.
"O que está acontecendo hoje?", pensou
- Alô?
- Betinha? Sou eu Mari.
- Marília Sousa, onde a senhorita esteve? Estou tentando marcar uma consulta, ligando para seu celular direto.
- Não briga comigo. Sabe como eu fico com medo quando me chama pelo nome todo - soltou uma gargalhada alta, que só ela tem. - Eu fui assaltada e levaram meu celular.
- Você está bem? - perguntou Roberta preocupada.
- Sim. Fisicamente bem, só levaram as coisas mesmo, tá tudo bem. Estou te ligando por duas coisas: eu vi seu nome na minha agenda e estou ansiosa para sexta. Por que sumiu?
- Sem tempo - mentiu.
- Aham. Por que sumiu?
- Estava fugindo da terapia.
 Betinha, comprei hoje um celular novo. O número vai continuar o mesmo, então poderá voltar a falar comigo, sempre que quiser, até mesmo antes de sexta. Desculpa por não ter avisado sobre o celular.
- Tudo bem. Qual é a segunda coisa?
- Do que?
- Que tinha para falar comigo.
- Ah sim! Bem lembrado. Algumas semanas atrás, te indiquei um paciente, mas se não puder atender, tem como indicá-lo pra outro?
- Jonas?
- Ele já ligou?
- Sim e já marquei. Por que você não o atende?
- A esposa é uma amiga minha. Bem, ela não é amiiiiiiiga, mas conheço bem demais para tratar o marido dela. Disse que daria uma indicação e lembrei de você.
- Obrigada.
- Obrigada você. Até sexta e se você desmarcar, eu vou até aí.
- Não vou desmarcar.
- Beijos, gata.
- Beijos, gata - respondeu de volta e desligou.

SESSÃO DE TERAPIAOnde histórias criam vida. Descubra agora