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Maria Júlia Torres
Sábado
19:30

Você não nasce forte, você aprende a ser forte e cada um aprende de um jeito diferente, alguns nem aprendem.

Eu aprendi muito cedo, quando comecei a ajudar a minha mãe em casa porquê eu só tinha ela e ela só tinha eu, ela fazia de tudo, trabalhava como doméstica, lavava roupa prós outros, cozinhava pra fora e me colocou no mesmo ritmo, eu que fazia as entregas, ajudava na cozinha, a lavar as roupas e algumas vezes ia ajudar nas faxinas.

Quando eu tinha uns treze anos, já não parecia muito com a maioria das meninas da minha idade, só tinha mais corpo, mas nem ligava pra isso, eu não tinha tempo. Nas horas livres eu tinha que estudar.

Como a minha mãe dizia, a única arma do pobre é a educação e eu tinha que aproveitar a minha, escola pública, boa ou ruim eu tinha que tirar o melhor dali.

Ela começou a trabalhar na casa dos pais do Sales, na época o pai dele era sub daqui, a mãe dele era linda de mais, parecia uma daquelas mulheres de capa de revista, eu achava um máximo. E ela era super educada e tratava a gente bem. O Sales tinha a mesma idade que eu, mas eram poucas as vezes que eu via ele, já que eu não podia passar dos fundos da casa. A minha mãe não deixava.

Porquê eram limites que a própria sociedade impôs.

Foram alguns anos trabalhando ali com a minha mãe. Não sei em que momento ele viu alguma coisa em mim, mas do nada ele começou a ficar no meu pé.

Mas eu nunca fui emocionada e sabia o meu lugar, na verdade eu achava que aquele era o meu lugar.

Nunca que o filho dos meus patrões ia se misturar comigo. Mesmo eles sendo educados e humildes, aquilo era improvável.

Quando eu fiz dezesseis ganhei uma bolsa num cursinho muito bom, eu queria cursar direito ou então algo na área da comunicação, como jornalismo ou publicidade.

Durante esse tempo eu parei de ir com a minha mãe pra casa deles, ajudava em casa.

Eu queria crescer do jeito certo, não como algumas mulheres do morro, crescer sendo bancada por homem ou melhor por traficante.

Eu corri atrás mesmo, pra ajudar a pagar outras despesas trabalhei como garçonete, como atendente, caixa de supermercado, entreguei panfleto nas ruas e assim eu fui.

E nunca tive vergonha disso. Era trabalho.

Quando eu terminei o terceiro ano, prestei o vestibular e passei pra publicidade. Direito já não era o meu sonho.

Corri atrás dez vezes mais e a minha maior vitória, minha e da minha mãe foi ter o meu diploma. Eu saí das estatísticas que diziam que a maioria das mulheres negras engravidavam aos dezesseis anos e não terminavam o ensino médio.

Eu era a única aluna negra da turma, fui confundida até como faxineira. Mas quando eu peguei o meu diploma nas mãos foi quando eu percebi que o meu lugar não era nos fundos da casa, lavando, passando e varrendo. Meu lugar onde eu queria e depois do diploma eu fui atrás do emprego e consegui, meus professores fizeram cartas de indicação e eu fui chamada pra área de publicidade de três empresas diferentes.

Minha mãe tinha orgulho de mim, várias meninas como eu também abriram os olhos pra vida e começaram a sair das estatísticas também.

Agora todo mundo deve tá querendo saber como que o Sales entrou na minha vida de verdade.

Bom, a mãe dele trabalhava com lojas de roupas e sapatos, precisou de uma ajuda na publicidade da loja e me chamou.

Naquele momento eu quebrei o limite que me impedia de passar da cozinha.

Luz em todo morroOnde histórias criam vida. Descubra agora