Capítulo 2 - That and this, these and those

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Eram por volta das nove quando eu finalmente saí da sala da professora Campbell, que não tinha muito a dizer sobre Bandit além de que ela era muito inteligente, mas falava demais e as vezes era um pouco irônica. Nada preocupante.

Ela me mostrou alguns trabalhos de Bandit, deu algumas orientações e eu fiquei feliz em perceber que pelo menos não era dessa vez que minha filha ia ficar traumatizada por algo que estávamos fazendo. De qualquer forma, eventualmente todo mundo vai para a terapia, você sendo um bom pai ou não, então faço o meu melhor possível.

Abri a porta da escola que estava fechada por conta do frio e da situação. Os holofotes iluminavam o estacionamento que tinha agora apenas alguns carros - assumi que fossem dos professores. Olhei ao redor buscando por Frank até que o avistei - o capuz sobre a cabeça e a fumaça queimando, recostado num carro que julguei ser o seu.

Ele retomou o contato visual conforme fui aparecendo em seu campo de visão. Puxei eu mesmo meu maço de cigarros do bolso do meu terno, levando um cigarro à boca enquanto tateava meu corpo em busca de um isqueiro. Frank, percebendo meus movimentos, me passou o seu zippo, meus dedos tocando a ponta dos dedos dele num movimento familiar, mas ainda esquisito.

"É tão estranho te ver," ele disse, enquanto a fumaça saía de sua boca. Devolvi o isqueiro para ele enquanto tragava. Acenei positivamente com a cabeça em resposta, querendo dar a entender que para mim também. "Na verdade, eu não achei que fosse te ver de novo."

"Nem eu. Muito menos na escola da minha filha," eu ri e cocei minha testa com a mão que segurava o cigarro. "Quão bizarro é isso?" Nós dois rimos.

"Completamente bizarro. Você só tem ela?" ele perguntou.

"Sim. E você?"

"Não, tenho mais um menino." ele arregalou os olhos. "Agora eu meio que entendo você quando você me chamava de furacão." Nós rimos com a lembrança que aquecia o coração.

Frank continuava com as mesmas feições, como se não tivesse envelhecido muito, tirando pelas linhas ao redor de seus olhos. Eu gostava de vê-lo com o riso solto como sempre, eu gostava de ver seus lábios finos e sua pele perfeita. E seus olhos arredondados, o tom de verde hipnotizante.

"Não sei como você dá conta, Frank. Mas você sempre quis ser pai... Já eu..." arregalei meus olhos. "Mas cara, é uma das coisas que eu mais gosto."

"Mais do que desenhar?"

Eu tive que pensar um pouco. Por mais que a resposta socialmente aceita fosse "sim", eu estava em dúvida. "Honestamente? Eu não sei..." Frank riu, dizendo com os olhos que sabia e que me conhecia. "Mas agora isso virou trabalho, então às vezes é chato também."

"Sério? As pessoas realmente te pagam pra você ficar desenhando?" se eu não o conhecesse, diria que ele estava chocado, mas me fez agir de uma forma automática e empurrá-lo pelo ombro, provocando-o, antes que ele começasse a rir novamente.

"Como você é..." meneei a cabeça. "Não me diga que você é advogado. Ou contador. Com essas tatuagens todas?"

"Oh, Gerard Way, o prepotente," elevei meu nariz, como se estivesse esnobando. "Não, graças. Eu tenho uma banda." Naquele momento fiquei muito feliz por ele, porque afinal tinha realizado seu sonho da adolescência de viver de música. Eu ficava feliz que tinha dado certo.

"E as pessoas te pagam pra você ficar arranhando a sua guitarra?" foi a vez dele se rebelar contra mim, me empurrando pelo ombro, como eu havia feito com ele, mas dando um passo à frente e desencostando do carro, começando a invadir meu espaço e ficando em uma distância desconfortável. "Brincadeira. Eu fico feliz por você."

Para ganhar espaço, levei meu cigarro à boca, mas ele estava acabando. A não ser que eu quisesse acender outro, era a minha deixa para ir embora. Tinha sido ótimo vê-lo e abrir a gaveta de sentimentos do passado, mas a pessoa que eu sou precisava tomar o controle das coisas novamente, porque a pessoa que eu fui estava começando a dominar a situação.

Frank jogou sua bituca para o chão e pisou com a ponta do pé para apagar, olhando para o chão antes de levar sua mão ao meu maxilar, num movimento ousado. Ao contrário do que eu deveria ter feito, não me afastei e deixei que ele deslizasse sua mão para trás da minha cabeça, fazendo com que me aproximasse dele.

Parecia que um poste de luz tinha queimado e o chão se aberto no momento em que nossos lábios se tocaram, nós dois cedendo ao toque um do outro de maneira inesperada, mas já conhecendo o caminho. Foi estranho sentir seus lábios sem a sensação do piercing que ele tinha no lábio inferior, mas minha língua abriu caminho de qualquer forma.

Não demorou para que eu levasse minhas mãos à sua cintura e o puxasse contra mim, enquanto nossas línguas dançavam pelo espaço criado pela nossa boca. Eu me arrepiava profundamente como se estivesse com frio, mas estava com outra sensação e sabia bem. Pressionava-o contra mim ao passo que deixava seus lábios para explorar a região de seu pescoço próxima à sua orelha. Tentava acompanhar com meu olhar e minha boca os desenhos de sua pele e ouvi um leve suspiro deixando os seus lábios, o que me fez voltar com vigor a eles e dar sequência ao beijo.

Antes que começássemos a perder ainda mais o controle da situação, nos separamos, a respiração levemente alterada. Frank tinha as bochechas rosadas e passou a mão sobre seus lábios, como se estivesse prolongando a sensação.

Trocamos um olhar intenso por alguns momentos antes de retomar o beijo mais uma vez. Aquele era o ponto de intersecção entre a pessoa que eu fui e a pessoa que eu sou, me fazendo perceber, que na verdade, somos todos uma pessoa só. E que a pessoa que eu fui, nunca foi embora. E que Frank, nunca foi embora da minha mente.

Ao nos separamos mais uma vez, recostamos nossas testas juntas. Não havia palavras suficientes para entender o que aconteceu há vinte anos, mas também não fazia mais sentido.

Só que também, as coisas agora não faziam mais sentido depois desse beijo. Ao mesmo tempo que eu me sentia com 18 anos, era como se tudo o que vivi até então tivesse sido misteriosamente apagado. Como se tivesse sido atingido por um trem em alta velocidade, comecei a sentir tudo aquilo de maneira extremamente intensa, e achei que fosse desmaiar. Ou chorar. Ou ambos.

"Eu preciso ir," eu disse e ele acenou compreensivamente. Frank segurou meu rosto com suas duas mãos, mais uma vez selando nossos lábios.

"Eu sei, eu também," ele disse. Dei um passo para trás, olhando para aquele que tinha sido minha ruína e que estava quebrando o chão debaixo dos meus pés naquele momento. "Eu... N-você me passa seu número? Eu quero conversar mais com você ainda."

Aquela não era uma boa decisão, a de passar meu telefone para ele. A gente sabia onde aquilo ia levar e tinha que pensar em tudo o que estava em jogo. Ele parece ter interpretado minha expressão confusa. "Desculpa, Gerard... Não foi minha int-"

"Não pede desculpa." eu interrompi. "Eu também sou culpado. Eu beijei de volta, né?" meneei a cabeça, passando a mão na minha testa para empurrar meus cabelos para trás, um movimento clássico de meu nervosismo. Por mais que houvesse resistência da minha parte, acabei por passar meu número a ele, esperando que não estivesse tomando a decisão errada.

No One Knows [FRERARD]Onde histórias criam vida. Descubra agora