Retorno

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Pov Ae

Lá estava eu, sozinho, no escritório que praticamente me pertencia, se não fosse pelo pequeno hamster que minha chefe, P'Putcha, havia colocado lá como forma de não me deixar tão solitário. O pequeno animal, que eu havia apelidado de "Bolota", andava pelos meus pés em sua bolinha praticamente o dia todo, contrariando a lógica de que eles possuem hábitos noturnos.

Desde que eu havia voltado da Alemanha, a mulher parecia sentir que eu precisava do meu espaço, mesmo que eu não achasse que estava precisando de tanto. Ela já havia me cedido um ambiente ao lado do dela, com a hamster que eu levava para o dormitório todos os finais de semana, quando ela também havia me concedido folgas.

Eu sempre fazia o meu trabalho com muita dedicação e precisão, mas estranhamente, no dia em que ela me falou que logo tiraria férias e seu filho assumiria o hotel por alguns meses, eu senti como se estivesse perdendo meu chão. Já tinha passado a considerar ela como uma amiga, e era estranho saber que tão logo quanto eu era capaz de imaginar, eu estaria sendo chefiado por outra pessoa.

E quando ela disse que trabalharíamos juntos, me senti ainda mais surpreso, o que piorou quando ela adicionou mais uma mesa, porém diferente da minha, era plana, possuía um computador enorme da Apple, cinza e com a maçã aparente e inúmeras gavetas apoiando o suporte daquele móvel.

As paredes claras brilhavam no meu notebook, que tinha luzes brancas que saíam das teclas, mas eram tão ausente de cores que machucavam os meus olhos. Poucas coisas me doíam tanto quanto aquelas pequenas leds embaixo do meu teclado. Mas eu já estava acostumado, afinal, depois do acidente, as dores de cabeça eram constantes e eu sabia que era um dos efeitos colaterais.

Tentei arranjar mil desculpas para explicar o motivo pelo qual eu estava tão distante e meu pensamento vagava em insegurança e desconforto. Conhecer pessoas novas nunca foi incômodo para mim, mas algo em P'Putcha me lembrava alguém que eu não conseguia reconhecer. E isso era angustiante, porque eu ficava me martirizando ao pensar que, talvez, o filho dela pudesse não ser tão calmo, paciente e compreensível quanto ela.

Pensando nisso, eu acabei perdendo mais tempo do que imaginava. Ela já tinha me informado que após eu me formar, seu desejo era que eu continuasse trabalhando na sua equipe, mas como um funcionário efetivado, não mais como um mero estagiário. E como seus planos incluíam a construção de um resort na praia de Patong, eu já devia começar a pensar no projeto e em montar minha equipe.

Parecia muita responsabilidade para uma pessoa que se formaria em apenas alguns dias, mas nem era isso que estava me preocupando. Sinceramente, eu me sentia completamente seguro quanto a trabalhar, pois era o que eu amava fazer. Nada me convencia mais do que a engenharia. Mas por alguma razão, naquele dia eu não conseguia me concentrar.

Claro que eu agi como se não soubesse o motivo, mas o girar da bolinha de correr da Bolota e o tilintar da minha caneta preta e brilhosa, provavelmente muito cara que eu havia ganhado da minha mãe como presente adiantado de formatura, que tinha inúmeras funções, uma lâmina de um material que parecia vidro a cobrindo e "Ae Intouch" estampado em letras emendadas deixava bem óbvio que eu não estava no escuro.

A cena de poucos minutos atrás retumbava na minha memória. Eu nunca havia visto minha chefe tão agitada. Nem mesmo nas duas vezes que eu a presenteei com rosas no seu aniversário e ela me abraçou com lágrimas nos olhos.

Mas sua animação e retração ao mesmo tempo havia me preocupado e deixado algumas dúvidas em minha cabeça...

— Ae, eu preciso de você, querido. É urgente! — Eu, que estava conectando alguns tubos na minha mesa para o desenho, parei o que estava fazendo ao ouvir sua voz ofegar. Estava alta, pela primeira vez desde o primeiro aniversário no qual ela havia chorado em meu abraço.

Memories of YouWhere stories live. Discover now