A Velhota no Lar

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                                    A velhota no lar

Um estranho olhar, um estranho sorriso estampava-se

naquele rosto que escondia a tristeza, iluminado pelos

olhos brilhantes e lábios sorridentes em que transparecia a

ansiedade de um sentir pesado. Carregada de emoção,

porque acabava de ver morrer uma velha. Sabia que a

velhota estava de abalada, para outro lado, pensava estar

preparada para a separação mais do que prevista. Porém e

mesmo assim, não conseguiu aliviar a nostalgia que se

abateu em todo o seu sentir. Já tinha visto tantos velhos

morrer, já tinha sentido comoção do efeito da morte de

gente próxima, mas aquela Senhora que acabara de se

despedir, deste mundo, repartiu com a Sara, diretora de um

lar de idosos, momentos de vida, extraindo de si mostras de

sentires profundos, quando em momentos de divagação

falava com o seu filho ou com o seu marido. Agora o filho

nunca a ia visitar. Apenas se. limitava a transferir o dinheiro

mensal para o pagamento do lar. O marido já tinha falecido.

A Sr.ª Antónia de Belém foi professora tinha os seus 88 anos.

Uns dois anos antes, começou a perder, por períodos de

tempo, a noção da realidade. As conversas que, naquelas

alturas de devaneio mantinha com o filho e com marido,

revelavam dor e muita tristeza; revivia momentos passados

da sua vida, chorava, clamava e sorria, De vez em quando

acusava o filho de não se esforçar para ter um emprego e

uma vida digna, falava como se ele estivesse ali na idade dos

25 anos, tal como assim fazia com o imaginário marido,

acusando-o de facilitar a vida do filho dando-lhe tudo o que

ele queria.

As técnicas do lar e assistentes sociais tinham grande

consideração pela Senhora Antónia que, em momentos de

demência, as fazia chorar com emoção porque ela centrava-

se entre o passado e o presente, perdida entre o que

viveu e o sítio onde se encontrava e depois em curtos

momentos de lucidez, olhava para quem assistia e dizia:

Depois, baixava os olhos e, como se pensasse em voz

alta, perguntava ao marido porque era tão duro com ela,

porque não queria saber mais dela. Insistia desesperadamente

para que lhe dissesse a razão que o levou a desprezala,

como mulher, ainda tão nova. Lamentava a sua infelicidade

como se o acontecimento se tivesse passado na altura

das suas lamentações, reclamava da sua imagem, que devia

ser mais cuidada, revivia o tempo em que dava aulas,

referia-se aos seus pais, como eram bons para ela. Por

vezes, andava às voltas no quarto dizendo que a casa

começava a ficar suja. Outras vezes falava com os seus

meninos. Dizia sempre "os meus meninos são a minha

vida", sem que a assistência soubesse quem eram eles, os

tais meninos. Acreditava-se que falava dos seus alunos.

- Desculpem... desculpem... não sei o que me deu...

estava onde?

Chorava porque percebia que alguma coisa estava a

acontecer... parecia, de repente, acordar de um sonho.

A família esqueceu a sua existência, a Senhora

Professora começou a perder o chão, voando no imaginário

que parecia mantê-la viva, até que um dia o imaginário a

levou a um determinado local onde se estendia uma mão e

ouviu-se ela dizer:

- Querida, minha querida, eu sabia que me vinhas receber.

Estou cansada, desculpa espera lá que me vista como

deve ser.

Estava deitada e mal conseguia respirar. Olhou para a

Sara que lhe agarrou a mão e esboçou o último sorriso,

fechando por si os seus lindos olhinhos que jamais irão ver a

luz deste nosso dia.

A Sara sentou-se à beira da cama e não conseguiu reter

um soluço que se prendia como um nó na sua garganta,

num ápice pensou que foi uma triste e bonita morte.

E lá vinham momentos terríveis para todos os que

assistiam a tais episódios, ninguém conseguia ficar insensível

ao ver a aflição da Sr.ª Antónia quando saía do torpor do

seu sonho, quando ganhava a consciência do instante que a

deixava entre a alienação e a perceção da situação, ficando

o manifesto sobressalto de estar a caminhar para o fim.

Fim de vida. Tudo se vai. Nada fica.

Levantou-se, olhou o espelho e esboçou um sorriso

dedicado à vida que para ser bem vivida precisa de não

esquecer que o fim chega pela certa, sem que saibamos

como e onde nos vai levar...

A Sara, uma jovem mulher, já não chora a morte dos seus

Velhos, olha para a morte como destino infalível, aprendeu

que, no entanto, em vida tem que haver trato e modo para

que os Idosos vivam os seus fins com a devida dignidade.

Por isso a Sara defende que o estado da Velhice é um novo

modo de vida que precisa de ganhar condições de Vida

Velha em vez de eufemismos sem sentido.

História de CabeceiraWhere stories live. Discover now