Capítulo 4 - Elvira

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— Você não ouviu nada do que eu falei.

Você pisca surpreso, voltando a realidade. A mulher a sua frente te encara, franzindo os lábios. Ela tem exatos quarenta e oito anos que pareciam um pouco menos, cabelos claros cheios de mechas mais claras ainda e um par de olhos castanho-esverdeados como os seus. Era mais elegante que bonita, sem dúvida mérito da roupa impecável e algumas camadas de pó compacto muito bem aplicadas. Ela não parece feliz.

— Desculpa, mãe... — ela torce mais os lábios e você conhece muito bem aquela cara. — Elvira... — corrige. Desde que você tinha uns quinze anos, ela prefere que a chame pelo nome, afirmando que o termo "mãe" a faz se parecer velha demais. Normalmente você ainda o faz por implicância, mas hoje não está no humor certo para isso. — Acho que estou dormindo mal.

— Dá pra ver. — ela concorda, cruzando os braços magros na frente do peito, destacando a aliança dourada no dedo anelar e um pesado anel de noivado antes dele, que você nunca vira fora dos seus dedos nem uma única vez na vida. — Precisa cortar o cabelo também.

— Eu gosto dele assim. — você mente, levemente por despeito, passando as mãos nos fios soltos e, para variar um pouco, bem lavados e arrumados. — Estou deixando crescer.

Elvira torce ainda mais os lábios finos e você se pergunta se não existe algum limite para aquilo, mas ao que parecia sua mãe sempre conseguia alcançar níveis novos na eficiente expressão de desapontamento.

Especialmente quando estava olhando para você.

— Onde está o Leandro? Pensei que ele viria hoje. — ela questiona, correndo os olhos pela mesa ainda vazia do restaurante.

É agora. Você pensa, sabendo que estava torcendo a cara de um jeito lamentavelmente parecido com o dela.

— Ele não vem. — responde, e recebendo de volta uma sobrancelha alta, sabe que não foi o suficiente. — Nós terminamos semana passada...

Ali estava, mais um nível de decepção alcançado com sucesso.

— "Nós"? — inquiri, desconfiada.

Elvira era muitas coisas, mas não era idiota. E você suspira, desanimado demais para mentir.

— Ele terminou comigo.

Ela solta uma risada nasal, sem humor de fato. Você esperava uma reação assim já que, em uma ano de namoro, ela demonstrara gostar mais dele do que de você.

Não que isso fosse difícil.

E nem que ela gostasse dele de fato, pelo menos de uma maneira afetiva. Ela simplesmente o achava perfeitamente adequado, muito mais que os outros namorados que já tinha apresentado. Na verdade, você não achava que Elvira gostasse de nada além do marido, sapatos prada e café arábico.

— O que você fez? — ela quis saber, numa acusação clara e você realmente começa a se irritar.

— Por que acha que a culpa foi minha? — você rebate, também cruzando os braços, fazendo os dois parecerem espelhos desajustados.

— Porque eu não sou burra, Augusto César. — é tudo o que ela diz.

Os dois se encaram por um tempo, deixando os sons aleatórios de talheres contra porcelana dos clientes em volta serem tudo entre vocês. Sempre houve muito barulho inútil entre vocês. Você desiste primeiro, desfazendo-se daquela pose para esfregar os olhos, cansado.

— Eu queria saber... — admite, e deve ter soado miserável o suficiente para fazê-la abandonar os braços cruzados, junto com um suspiro aborrecido.

O Garoto da CoberturaWhere stories live. Discover now