Querido amigo que não lembra-se mais de mim

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Olá novamente, saudoso amigo...

     Espero que após este longo tempo (e que tempo! ) você esteja bem – e que talvez ainda lembre de mim, nem que seja apenas um pouco. Eu sei, o mundo é um caos e não para de se mover, coisas são achadas e perdidas, aparecem e somem, criam e quebram-se... Mas não seria pedir muito, certo?

     Se o tempo não encarregou-se de levar-me de sua memória e, hipoteticamente tu ainda lembras de mim, saiba que este – o tempo – continua a passar por mim como estranhos na rua fazem, e eu continuo a ignorá-lo, assim como ignorei por muito tempo o fato de que ainda sinto sua falta. E, sabe? Isso é uma droga. Por quê simplesmente as memórias que tenho com você não desaparecem como estes rostos desconhecidos à minha volta? Porque estes fantasmas me assombram tanto?

     Por muito tempo me obriguei a acostumar-me com este espaço soturno no peito, com os dias cinzentos, os sorrisos falazes, abraços e palavras frívolas; tudo tornou-se oco e incerto... Ou será que só fora eu? É fato que não sou mais a mesma pessoa de quando ainda o tinha comigo, tudo fora mudado e reescrito e acabei por perder-me em meu próprio roteiro; eu era tão vívida, e se olhares para mim hoje, bom, você saberá... Tu não me reconhecerias, e isso dói. E não é como se eu pudesse culpar-te por isso, por mais que já tenha tentado; de artilheira de nosso time eu passara para apenas um reflexo do banco reserva, mas a escolha fora minha. Sim, eu fui babaca o suficiente para não assumir a culpa pelos meu atos e pensamentos, mas sentimentos são rebeldes e não tive coragem de lutar contra eles. Sim, fui idiota por acreditar que você ficaria melhor sem mim justamente quando mais precisava de minha ajuda, mas estava tão amargurada com a situação que (eu) nós criamos que fui cegada pelo rancor, e simplesmente te deixei do jeito que tu me abandonastes naquela quinta-feira de sol. Tu provastes do próprio veneno, e eu me intoxicara por ele. E sim, fui covarde o suficiente para brincar de esconde-esconde com todos aqueles que tentavam ajudar-me – inclusive você! Mas essa brincadeira de quente-frio acabara por congelar e queimar-me sozinha; depois que você foi embora sinto que joguei-me ao Tártaro e estou pagando por pecados que sequer cometi, à espera de Tânato olhar por mim e mandar-me finalmente aos Elísios.

     Sei que é tarde, mas sinto sua falta mais ainda agora. Sei também que nossos caminhos nunca mais se encontrarão – e está aí o motivo para escrever-te agora; porque sei que perdi e não há mais volta. E sei que isto me faz ser orgulhosa e mofina, mas sabes que sempre fugi de coisas que faziam-me perder o controle de minhas emoções, e logo você tornara-se meu zahir pessoal. Sempre orgulhei-me por ter controle sobre situações que envolvessem sentimentos, mas a verdade é que talvez, naquela época, eu não sabia o que era amar e como entregar-se deixa-te tão frágil e ansioso; talvez eu nunca tenha sentido toda essa avalanche antes de você. Descobrir o amor foi uma experiência incrível, mas amar-te foi doloroso e quebrou-me até os ossos. Fora como pular de um precipício de olhos vendados, tu me conduziras até a beirada e quem decidira pular fora eu. E tudo tornou-se breu desde então. E estou aqui novamente, enleada à linha tênue entre o vazio e meus pensamentos, clamando por uma saída de toda esta confusão que são nossas memórias. Eu ainda lembro-me vividamente de ti, e este é meu maior pecado.

    Deus, suplico-lhe, deixe-me esquecê-lo, deixe-me partir! E, mesmo se nada disso estiver à seu alcance e nada poder ser feito, só deixe-me odiá-lo; amá-lo foi céu e tornou-se inferno ardente, fora como atravessar o deserto e cair em uma miragem, sucumbindo à sede. Deixe-me fugir apenas mais esta vez deste paradoxo dualista e perdoe Minh 'alma.

Deixe-me sair, deixe-me fugir....

E permita-me pelo menos lhe dizer adeus.

                                                      Homem sábio, pintura de  Aleksei Bordusov

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                                                      Homem sábio, pintura de  Aleksei Bordusov.

22/09/2020.

Se palavras pudessem respirarWhere stories live. Discover now