CAPÍTULO XI

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...

- Precisa virar mais rápido. Você quase sai da pista quando vira á direita.

Aperto a pequena direção de couro e piso fundo no acelerador. O Mercedes dá um salto para a frente, jogando nossas cabeças para trás.

- Meu Deus, você é um pé de chumbo. Não pode pisar mais leve nesse acelerador?

Paro bruscamente, me esqueço de pisar na embreagem e o motor morre. Camila gira os olhos em desaprovação e se esforça para transparecer paciência em sua voz.

- Certo, observe. — Ela liga novamente o carro, vem para o meu lado e coloca as pernas entrelaçadas com as minhas, com os pés ficando sob os meus. Com a pressão dela, solto a embreagem aos poucos, ao mesmo tempo em que pressiono o acelerador, fazendo com que o carro desliza suavemente para a frente.

- Desse jeito — ela fala e volta ao assento do passageiro. Solto um chiado de satisfação. Estamos rodando pelas pistas, de lá pra cá e daqui pra lá, sob o sol do meio da tarde. Nossos cabelos se agitam ao vento. Aqui, neste momento, dentro dessa caranga 64 vermelha brilhante com uma bela garota ao meu lado.

Minha mente voa e perco o pouco foco que em geral consigo manter. Saio da pista e acerto o para-choque de um caminhão-escada, o impacto joga nossas cabeças para trás. Camila examina a frente do carro e sacode a cabeça em desaprovação.

- Que droga, Lauren. Era um belo carro.

Hoje a aula de direção não está sendo muito boa, balanço a cabeça em negação. Praticamos por algumas horas até Camila olhar para mim e falar:

- Bom, por hoje chega de aula. Estou cansada.

Sem falar mais nada, dirijo para casa. Freio meio tarde e paro o carro com meu para-choque dois centímetros sobre a grade de um Miata. Camila suspira. Naquela noite, nos sentamos de pernas cruzadas no meio do corredor do 747. Um prato de Phad Thai aquecido no micro-ondas também está no chão, na frente de Camila, esfriando.

Assisto em silêncio enquanto ela mexe na comida com um garfo. Mesmo sem fazer ou falar alguma coisa, me divirto observando Camila. Ela inclina a cabeça, seus olhos vagueiam, ela sorri e muda o corpo de posição. Os pensamentos passam pelo rosto dela como a projeção de um filme.

- Tá muito silêncio aqui — ela diz, se levanta e começa a mexer nos meus discos.

- Por que você tem tantos discos de vinil? Não conseguiu fazer um iPod funcionar?

- Som... melhor. — Falo para ela que sorri.

- Ah, você é uma purista.

Faço um movimento de girar no ar com o dedo.

- Mais real. Mais... vivo. — Ela concorda com a cabeça.

- E, com certeza. Mas muito mais
difícil de conseguir. — Ela vai passando os discos e faz uma careta.

- Não tem nada novo aqui, só coisas até... hã... 1999. Foi quando você morreu por acaso?

Penso naquilo por um momento e depois dou de ombros. É possível, mas
não faço a menor ideia de quando morri. Poderia tentar adivinhar pelo estado atual da minha decomposição, mas não apodrecemos com a mesma velocidade. Alguns continuam cadáveres frescos de funeral durante anos, outros ficam só ossos por meses, com a carne se dissolvendo como se fosse a espuma seca do mar.

Não sei o que causa essa desigualdade. Talvez nossos corpos sigam os comandos de nossas cabeças. Alguns desistem facilmente enquanto outros resistem com todas as suas forças. Outro obstáculo que enfrento para
estimar minha idade é não ter ideia de que ano estou, 1999 pode ter sido há uma década ou ontem. Alguém poderia tentar deduzir uma linha de tempo a partir da deterioração das ruas, prédios e estruturas, mas cada parte do mundo está apodrecendo em um ritmo diferente.

Minha namorada é uma zumbiWhere stories live. Discover now