27. "Dezessete velinhas" Parte 1

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Por Beatriz:

Três. Dois. Um.

Parabéns para mim.

De acordo com o meu querido pai, nasci as seis da manhã em ponto, do dia vinte e cinco do sexto mês do terceiro ano do segundo milênio. Ufa! Em dias normais, todos os estudantes do internato Roullic estariam acordando para mais um dia longo de aula. Mas hoje não. Domingo era dia de acordar tarde. De se divertir. Comemorar. Não para mim.

O ar parecia estar mais gélido do que o normal. Dei uma rápida olhada para a janela, e encontrei um céu cinza, sem vida. Provavelmente, seria dia de chuva. Como todos os outros dias nessa respectiva data.

Senti uma pequena faísca em meu corpo ao me lembrar que Manuel me esperava a poucos metros da minha cama, mas ele não estava lá. Sua cama estava vazia, totalmente desarrumada. Estranhei o gesto, já que ele sempre a arruma. Peguei meu celular em busca de alguma mensagem, mas a caixa de notificações estava vazia. Parabéns para mim!

Decidi que seria melhor tomar um banho gelado. Como se tivesse escolha. Pelo o que foi me dito, a escola estava sem água quente desde o ano passado, por causa de um corte de gastos. Mas água é água, e nada melhor do que o choque do frio para acordar. Enquanto a água escorria pelo meu corpo, me permiti derramar algumas lágrimas silenciosas. Eu odiava chorar, mas, algumas vezes, parecia algo libertador. Desliguei o chuveiro, enrolei a toalha pelo meu corpo e me joguei na cama, mesmo molhada. Minha dor não se importava se o colchão ficasse úmido.

Primeiro, vi o lindo cabelo dela. Ruivo e ondulado. Quando a luz o tocava, parecia um conjunto de brasas. Fogo. Depois, a voz ecoou pela minha cabeça. O modo que ela tocava, o modo que ela cantava... Encantava qualquer um. Só de pensar que acabei com tudo aquilo, tenho vontade de sumir.

Mamãe apareceu logo depois, sorrindo para mim. Ela era uma psicóloga incrível. Amava seu trabalho. Amava sua família. E amava a mim. Tanto que morreu tentando me ver, nesse dia tão especial. Em meus sonhos, vejo-as no caminho do aeroporto Internacional. Animadas pela surpresa. "Não, não vão. Eu não vou ficar chateada. Esperem até amanhã.", eu tentava gritar, mas minha voz não saía. Algo bloqueava minha garganta. Elas se aproximavam cada vez mais do portão de embarque. Queria correr, mas minhas pernas não se mexiam. Cinco metros. Três metros. Um metro. "Por favor, não entrem!". Mas elas tinham entrado. E eu via o avião voar pelo céu nublado. Sem cor. Sem vida. Igual elas, no momento em que a máquina voadora despencava do céu.

Fecho meus olhos com força, tentando impedir esses pensamentos, esses demônios que me atormentam, mas não adianta. Agora, vejo minha irmã casando. Para provar que era o seu casamento, ela não vestiu um vestido branco tradicional. Seu corpo estava coberto por um esplêndido vestido azul, com várias camadas. Ela fazia contraste com o mar. Mamãe chorava ao pé do altar, enquanto meu pai acompanhava sua primogênita até seu futuro esposo. Ou futura esposa. Não consegui ver quem era, mas eu sabia que a tal pessoa faria minha irmã feliz.

Tudo estava lindo, até o momento em que elas me viram. Mamãe e Helena, lado a lado, olhando de uma forma horrível para mim. No mesmo instante, o sangue começou a sair da boca de Helena. O mesmo líquido vermelho manchava o vestido amarelo de minha mãe. "Você nos matou, Beatriz", murmurava minha irmã, mantendo seu olhar cravado em meus olhos. Mamãe apenas chorava. Silenciosamente, assim como eu. Ela veio até mim com os braços estendidos, querendo me abraçar. E, no momento que sua pele tocaria a minha, ela se esvai na minha frente. Acontece o mesmo com Helena. A única coisa que fica é o sangue das duas, que agora estava em minhas mãos.

ㅡ Bom dia aniversariante! ㅡ a voz doce de Carmín me fez despertar. No momento que notou as lágrimas que escorriam pelos meus olhos e meu rosto certamente inchado, correu até mim e me abraçou. ㅡ O que aconteceu?

intocável | binuel [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora