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O som da chaleira me faz acordar, não sinto meu corpo, isso já não é novidade, pisco algumas vezes me forçando a manter os olhos abertos, minha boca esta dormente assim como todo meu rosto.
O dia amanheceu mais uma vez, pela milésima vez, e eu me perguntava quanto mais eu ia ter que aguentar.

Os passos arrastados me causam frio na barriga, são os passos que eu tanto temia, os passos dele... Eu preciso levantar! preciso levantar !

- Dia de banho, se prepara. - Meu coração para por alguns segundos e antes que eu pudesse me mover, se é que eu ia conseguir mesmo levantar dali, a porta abre, o cheiro de álcool e café se misturam, e o velho de barba amarelada longa nojenta se aproxima de mim com dois baldes, eu me preparo pro que vem em seguida.

Água gelada é jogada em mim , os machucados no meu corpo ardem, eu vejo a água se misturar com sangue escorrer pelo meu corpo, aperto os olhos e me seguro na parede, mais água é jogada em mim e começo a sentir meu corpo de novo, me ajoelho e começo a esfregar o rosto, fiquei aliviada por mamãe ter cortado meus cabelos curtos, agora não teria tanto trabalho.

- Se apronta rápido , você tem 5 minutos. - ele disse cuspindo no chão e saindo .

A porta enorme de madeira grossa se fecha , eu estremeci finalmente respirando direito, uma camisa velha, e uma calça larga foram deixados pra mim, me sequei com a camisa e vesti depressa, meus cabelos caiam no meu rosto, minhas mãos ainda estavam dormentes , minha boca seca ainda estava machucada da última visita do vovô, segurei firme a corrente e esperei.

Mais passos , esses eram leves e rápidos, esses eram os da minha mamãe.

- Estamos atrasadas, vamos logo, anda garota! - ela destrancou o cadeado do meu tornozelo rápido enquanto me puxava pela porta a fora do pequeno quarto.

- Nenhum Piu entendeu? Seu vô está com dor de cabeça . - eu não conseguia ouvir direito, ainda tonta , fui puxada pro quarto de porta de ferro, tinha um pequeno corredor escuro, onde eu conhecia tão bem que eu poderia andar de olhos fechados.

- Entra aí. - A voz da mamãe soava impaciente.
A porta de ferro se abriu e eu paralizei, você não ia gostar do que acontecia lá dentro.

- Vamos garota! De uns dias pra cá ela está assim... Desobediente! Que droga!

- Phil ele já pagou? Você sabe que só recebemos adiantado .

- Claro, não sou burro mulher! Ele já está vindo, seja boazinha ... - Papai falou me empurrando porta a dentro sorrindo pra mim.

Ouvi a porta se fechar, fui andando pra trás no escuro, eu sabia que tinha uma cama, mais não sabia onde, antes que eu encontrasse, uma mão segurou meu pescoço com força batendo com força na parede.

- Achei você! Se escondendo de mim ? - fiz que não com a cabeça respirando o mais rápido que eu conseguia , era ele, o homem mal que vinha as vezes, a voz dele me perseguia em pesadelos todas as noites, eu tremia de medo e agonia sempre que ouvia, sempre que sentia, sempre que ele vinha.

- Sentiu minha falta Briana? - tossi e fui empurrada na cama , e logo senti o peso enorme em cima de mim, me debater e gritar foi o que sempre fiz a vida inteira, eu achava que resolvia, mais quando eu percebi que ele gostava daquilo eu parei de gritar, parei de revidar e só fechava os olhos e aguentava.

- Parece que estou comendo um defunto, vamos animar isso aqui...

O frio na espinha me alertou do que viria, cerrei os dentes e gritei com a chicotada na barriga, mais uma vez... E outra vez... Ele era um psicopata que gostava de ver os outros com doe, sentia prazer em ver a agonia , e gostava de machucar, me machucar.

- isso... Isso... Isso vadia! Grita! Grita! - ele gritava e gritava de prazer, enquanto eu me contorcia de dor .

Não lembro quando acabou.
Eu acordei no ateliê, sem roupas e coberta com uma camisa, tinha sangue por todo meu corpo , tremi e chorei tentando me levantar, aquilo ardia, e minhas lágrimas só pioravam tudo, fiquei parada e deixei minha lágrimas caírem, eu não sabia quanto mais tempo eu podia aguentar.

Mais tarde mamãe apareceu com o chá de cor estranha, eu sabia que aquilo levaria a dor toda embora e me apressei em beber, aquilo me ajudava a dormir às vezes, e me deixava lenta, eu não sabia bem o que tinha no chá ,mais eu sempre bebia rápido pra tudo acabar logo.

- Acorda! Anda acorda droga! - senti pontadas no estômago , eram chutes , era ele, droga ! Droga!

- Parece que se divertiu ontem, minha garotinha merece um descanso agora, eu trouxe algumas tintas , o que acha? - sentei devagar puxando a camisa pra me cobrir, a voz dele estava longe e eu mal conseguia ficar de olhos abertos , vovô estava olhando pra mim, olhos verdes maldosos que me matavam de medo, eu sabia do que ele era capaz , eu sabia bem.

- Isso é um presente aproveite bem, você fez um bom trabalho hoje. - ele saiu deixando uma pequena caixa com algumas tintas do lado da porta.

Cada parte do meu corpo doía , e me levantar aquele dia foi um sacrifício, tinha machucados por todo lado, e os chutes dele abriram todos me fazendo sangrar.
Puxei a corrente e caminhei até às tintas, as cores que eu queria estavam lá, puxei o coxão e tirei o pincel que escondi dentro dele, pintei o resto do dia inteiro sem me importar com a dor horrível, a parede ficou colorida com o sol, que eu nunca pude ver claramente, pelas nuvens que eu nunca pude olhar de fora daqui, e por inúmeras flores coloridas , meu coração ficava calmo e eu nem sentia mais dor, ficava horas olhando aquilo,e me imaginando lá, imaginando como seria pisar na terra, ver o céu, e sentir o sol , pegar em uma flor, sentir o cheiro , como seria estar lá fora igual todo mundo.

- No mundo da lua de novo ? Venha, deixa eu passar isso nas feridas. - mamãe entrou rápido e com as mãos ágeis ela passou uma gosma amarelada por todas as feridas, logo logo eu não senti mais nada.

- Mamãe? - chamei sem me virar pra ela.

- Fala.

- Como é lá fora? - Ela revirou os olhos e se afastou de mim colocando as mãos na cintura, com uma cara de brava.

- Que pegunta mais idiota garota! Não gosto da sua voz , e eu já disse pra não me chamar de mãe., Venha logo vista isso, tem pasta de dente e a escova está lá.

- Desculpe . - sussurrei , vestindo o vestido velho rosa que eu gostava , e uma calcinha limpa, ela me olhou de cima a baixo com uma cara seria.

- Aquele idiota psicopata ! Isso vai levar semanas pra sarar, mais trabalho pra mim que merda! Que prejuízo!

- Eu posso limpar... - falei baixo demais, colocando a mão da barriga dolorida.

- Quem mandou você falar? E pare de sonhar e fazer perguntas idiotas , você só tem essa vida aqui, deveria ser grata ! Lá fora tem pessoas horríveis você nem imaginaria o quanto!

Ela saiu batendo a porta.
Sentei no coxão olhando a parede recém pintada, minha mãe era uma mulher bonita, estava sempre bem vestida tinha cabelos pretos igual ao meu, e mesmo que ela odiasse, eu me parecia com ela, olhos puxados e rosto fino, deve ser por isso que ela sempre cortava meus cabelos bem curtos já que os dela eram enormes.

As vezes eu ouvia música bem distante e sabia que era ela que gostava, as vezes ela cantarolava pelo quarto enquanto eu fingia que dormia, era má quando queria, então era só eu não falar muito que ela cuidava de mim e saia.
Todos os dia eu ouvia seus gritos e as vezes coisas quebrando, ela sempre cheirava a álcool e sempre parecia cansada , me perguntava o que ela fazia lá fora, como era o sorriso dela , se ela era feliz com papai, e o porque deles não gostarem de mim, o porque deles me odiarem tanto e fazerem tudo isso comigo, eu me perguntava mil e uma coisas, mesmo tendo a certeza de que eu nunca teria respostas nenhuma.

Vi mais uma noite chegar pelo teto sujo, a casa estava silenciosa, o meu ateliê ficava no fundo do pequeno quintal da cabana, talvez não tivesse ninguém em casa , minha barriga roncava eu acho que ia dormir sem comer de novo hoje .

Os ratos me assustavam na madrugada, só não me assustavam mais que os pesadelos, por isso eu quase nunca dormia sem os chás da mamãe, e naquela noite eu não ia dormir.

Com Todas As ForçasWhere stories live. Discover now