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O cheiro da terra molhada era incrível, a chuva tinha começado a algumas horas eu sempre gostei do som da chuva no telhado, os relâmpagos ilumivam o ateliê todo, e as goteiras borrava minhas pinturas na parede deixando elas ainda mais bonitas.

Os passos apresados da minha mãe atrás da porta me fizeram levantar.

- Come rápido , tenho muitas coisas pra fazer hoje . - Ela falou virando o rosto machucado pra eu não ver.

- Mamãe? Ele machucou você de novo... - Levantei dando um passo até ela que me empurrou .

- Não se meta Briana! Come logo, não me incomode! - O chute na porta quase fez nois duas pular, e o rosto sombrio e sujo do meu pai apareceu .

- Estão de Papinho agora? Que merda é essa? - Logo uma tigela de pão e leite que estava no chão voou no rosto da mamãe que gritou caindo no chão juntando imediatamente os cacos.
Ele chutou ela na barriga e eu corri entrando na frente dela .

- Mais o que é isso agora? Estão amiguinhas? Ótimo!

- Não! Não Phil ! - Mamãe gritou me empurrando e se ajoelhando nos pés dele.

- Você vai levar uma surra depois , e você sua vadia suja vem comigo ! - Ele segurou nós cabelos longos dela e saiu batendo a porta.

E eu fiquei lá paralizada... Isso acontecia sempre mais eu nunca conseguia ficar parada e ver, eu devia sentir prazer em ver a mulher que era malvada comigo apanhar, eu devia... Mais não conseguia!

Logo um prato com pão e água foi colocado por baixo da porta, eu comi tudo muito rápido, não estava satisfeita, eu nunca estava ...
Dois dias sem comer era o máximo que eu aguentava, e o máximo que me deixavam passar.

Estava escurecendo lá fora e a chuva ainda continuava, agora parecia um pouco assustador.

Acordei no meio da noite com o cheiro de álcool e a barba roçando meu pescoço, ela ele! E estava bêbado outra vez. Droga!

- Calada... Quietinha quietinha não vai demorar. - a dor de ter ele dentro de mim e o fedor que vinha dele me faziam querer vomitar, virei o rosto pra parede onde estavam as flores que pintei e que a chuva borrou, as únicas flores que vi na vida, minha mãe usou uma vez no cabelo, e desde então eu comecei a desenhar em todos os cantos.

Fechar os olhos, morder a boca, tentar pensar em qualquer coisa, não funcionava, nada funcionava. Eu perdi a conta de quantas vezes aqueles velho nojento me visitava de madrugada bêbado, e no outro dia trazia tintas e telas pra mim, eu tinha nojo, o mais imundo dos animais estava em cima de mim urrando e me machucando, e eu? Eu não podia fazer nada... Nunca pude, nunca tive escolhas, nem opções , nunca tive chance e o pior é que eles eram minha família eu não tinha esperanças de nada, ficar ali e aguentar foi o que fui criada e treinada pra fazer, era o que minha mãe dizia, nunca recusar e nunca lutar.

- De joelhos. - A voz rouca e pesada do meu avô me puxou de volta, não me mexi.

- Não ouviu? - Continuei parada, dessa vez eu não ia obedecer, mesmo sabendo sabendo a consequência, sempre que eu podia eu preferia a consequência do que fazer o que ele pedia, hoje eu aguentaria tudo.

- Garota idiota! - Ele puxou meus cabelos me jogando no chão, e desabotoou as calças , cerrei os dentes e encarei o velho podre na minha frente.

- De joelhos vadia ! Vamos... me obedece!

- Não... Não vovô! - falei sem piscar , eu não tinha nada a perder, na verdade eu não tinha nada, nunca tive.

- O que? Espera, o que você disse?

- Não! Não! Não! - Gritei com todas as minhas forças e fui empurrada contra a parede ficando sem ar na hora.

- Quem você pensa que é ? Sabe o que vai acontecer com você? Claro que você sabe não é... Você gosta não é? - A risada dele no meu rosto me fez arrepiar, ele bateu minha cabeça na parede com força me fazendo gritar, e mais uma vez, fiquei tonta... Eu reuni todas as minhas forças pra fazer o que eu estava prestes a fazer, eu nunca em toda minha vida tentei revidar, ou fugir, não teria pra onde ir, onde eu iria sem eles?

- Você é minha , é minha Briana, por minha causa você nasceu , por minha causa ainda está viva! - ele berrava palavras confusas enquanto batia minha cabeça com força na parede, eu estava prestes a apagar quando a porta abriu de uma vez.

- Sai! Solta ela você vai matar ela! Ficou louco papai? Nois precisamos dela! - Cai no chão e tentei respirar, dessa vez realmente achei que morreria , talvez eu desejasse isso, talvez não! Eu sempre desejava isso, eu queria isso.

- E você se importa desde quando seu merda? Quem pensa que é pra gritar comigo ? - Os dois começaram a trocar soco, foi quando eu percebi a porta, estava aberta bem na minha frente, e por um segundo tudo parou, a chuva lá fora, minha cabeça latejando, a corrente que me impedia, o lado de fora estava a alguns passos de mim , eu poderia ir ... Poderia ver o lado de fora por alguns minutos, poderia não poderia?

Olhei ao redor e vi as chaves, estavam na calça do meu pai que agora batia no meu avó descontrolado , eu tinha que ser rápida, pensar rápido, pensa pensa Briana !

- Vou te ensinar uma lição seu moleque! - vovô gritou derrubando meu pai e eu me ajoelhei perto da parede pronta pra pegar meu pincel, segurei ele firme e puxei a corrente segurando na altura do ombro ficando de pé. Era agora!

Corri pra perto da porta com a corrente derrubando o velho sujo que bateu a cabeça no chão ficando lá parado. Ele morreu?

Droga! Não era hora de pensar isso, me abaixei rápido pegando as duas chaves grandes do cadeado no bolso do meu pai que estava apagado no chão com o rosto desfigurado, abri rápido o cadeado olhando ao redor, e lá estava ele, meu pincel!

- O que você pensa que está fazendo pirralha? Deixa só eu pegar você, esta morta! - Os gritos dele me fizeram entrar em Pânico, segurei firme o pincel sem pensar em mais nada e antes que eu pudesse correr de novo ele me derrubou subindo em cima de mim, empurrei ele usando todas as minhas forças, era inútil, ele segurou firme no meu pescoço com uma mão só enquanto a outra rasgava meu vestido, por mais que eu tentasse respirar eu já não tinha mais força.

- Você vai ver quem manda aqui porra! - cuspi nos olhos dele que soltou meu pescoço um minuto me dando a chance de enfiar o pincel com toda força em um dos olhos dele que gritou se afastando de mim.

Sem pensar duas vezes peguei a outra chave e corri fechando a porta atrás de mim e trancando, os gritos dele lá dentro não paravam e eu rezei pra minha mãe não estar na cabana .
Do lado de fora, eu estava finalmente do lado de fora, respirando o ar de verdade, estava fora!

Eu tinha saído, pela primeira vez do ateliê onde eu nasci e vivi trancada por 18 anos. O que eu ia fazer agora? Como eu ia entrar na cabana com minha mãe lá? E depois? Eu não fazia ideia do que ia acontecer quando eu desse o primeiro passo pra longe dali.
Mais agora que eu tinha começado ... Eu não ia parar.

Com Todas As ForçasWhere stories live. Discover now