Capítulo 22 / Guilherme

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– Ok, isso foi tenso. – digo

– A-aham.

Eu estava sentado com Bruno tendo uma calorosa conversa sobre livros de ficção científica, quando vi a briga. Rafael estava socando um cara que eu não conheço, e depois a Ka saiu correndo em prantos. Eu não entendi muito bem, então procurei pela Fernanda no meio da "multidão" de alunos. Não a achei, e decidi voltar para Bruno e a nossa intelectualidade semelhante. Tirando o fato de que é difícil ter uma simples conversa com ele, devido a sua gagueira excessiva, ele é uma ótima companhia.

– Vo-você já le-leu O Senhor do-dos Anéis? – ele pergunta

 – Se eu já li? – arqueio as sobrancelhas – Muito mais de uma vez.

– E-eu adoro. 

– Você tem bom gosto. 

– Você ta-também.

Ele sorri para mim e diz algo como "Vou perguntar uma bebida", não sei ao certo se foi isso mesmo. Eu recuso. 

– Volto já. – digo – Preciso ir ao banheiro. 

Abro caminho no meio dos alunos que dançam incansavelmente, e tampo os ouvidos ao passar perto da caixa de som que treme com a intensidade da música alta.

Viro a direita no corredor e continuo andando em direção ao próximo que leva para o banheiro masculino. Mas paro quando ouço soluços. Ajeito os óculos e aperto os olhos, até focalizar uma garota de cabelos pretos sentada no chão com a cabeça enterrada nos joelhos. Me aproximo para ver quem é.

– Você está chorando? – pergunto.

Ótimo, Guilherme. Tudo que uma pessoa quer ouvir quando está chorando é alguém perguntando se ela está chorando.

– O que você acha? – Vitória revira os olhos.

Agacho ao seu lado, repousando uma mão nas suas costas, como fazemos em um funeral para dizer "meus pêsames" àquela pessoa que perdeu um ente querido. 

– O que aconteceu?

– Foi o Lucas... – ela diz ainda em meio as lágrimas.

– O seu namorado?

– Ele não é meu namorado! – ela bufa e me lança um olhar feroz.

– Tá, foi mal.

Sento ao seu lado no chão.

– Você quer falar sobre isso? 

Ela hesita, mas depois de alguns segundos começa a despejar todos os seus sentimentos de uma vez, como uma torneira quebrada que não para de jorrar água. 

– Acontece que nós estávamos ficando, só que ele tinha me dito que não queria assumir nada sério, e aí eu até aceitei, sabe? Mas hoje quando a gente estava junto, o Daniel nos viu. Então ele chegou no grupinho de amigos dele e ficou falando que o Lucas estava pegando a "Japinha nerd". Ele ficou envergonhado e brigou comigo na frente deles. Disse que não gostava de mim, e que só estava se divertindo. Eu vi nos olhos dele que não era verdade, mas ele foi capaz de tudo aquilo só para não ser zoado. Cara, isso é ridículo. 

Passo alguns segundos em silêncio, absorvendo a história. É sempre meio difícil para mim dar conselhos, ainda por cima para uma garota que acabou de ser magoada. O que eu deveria dizer? "Ele é um idiota, vai fica tudo bem."? Muito clichê e nada eficaz.

Ela funga. 

– O que há de errado comigo?

Só nesse momento eu paro para analisá-la. Ás vezes fazem brincadeiras com ela devido a sua descendência asiática, que lhe rendeu olhos puxados e cabelos pretos super lisos. Mas ela não é feia. Muito pelo contrário. É linda, e eu realmente não entendo por que o Lucas foi tão estúpido. Mas, claro, ela só não consegue ser mais linda que a minha Crazy.

– Oh, se ele está recusando uma garota como você, então deveria estar se perguntando o que há de errado com ele. – digo, por fim. 

Ela sorri.

– Obrigada.

– Por que você se incomoda em ser chamada de nerd? Não é tão ruim assim.

– Eu não me incomodo. Acontece que... não sei, as pessoas são muito babacas. No geral, elas diminuem os outros para alimentar o próprio ego. E era isso que faziam comigo, mas desde que eu e o Lucas começamos a ficar, as provocações pararam. Mas agora eu tenho certeza que elas voltarão com tudo.

– Você não deveria ligar para isso.

– Pra você é fácil falar. Afinal, você é tecnicamente um nerd, mas ninguém te zoa. Talvez seja por que é bonitinho.

 Sinto as minhas bochechas esquentarem, mas tento agir como alguém que não acabou de ser chamado de bonitinho.

– Mas eu não sou necessariamente um nerd.

Ela arqueira as sobrancelhas.

– Ah, não? Então o que é?

– Eu me autodenomino um geek. – respondo.

– O que é isso?

– Bom, geek é uma gíria inglesa que se refere a pessoas excêntricas, obcecadas por tecnologia, jogos, filmes, histórias em quadrinhos, etc. É quase um nerd, só que com comportamentos diferentes. E, modéstia a parte, eu sou muito inteligente também.

– Interessante... – ela responde.

Encosto a minha cabeça na parede.

Depois de alguns minutos seguidos de um silêncio constrangedor, decido fazer uma citação.

– "Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente."

– Shakespeare. – ela completa.

– Você gosta de Shakespeare? – pergunto entusiasmado.

– Como não gostar? – sorri.

– Verdade. Ele é simplesmente incrível.

Ela sorri mais ainda e se aproxima de mim.

– Sabia que eu acho seus óculos lindos?

Ok, isso está ficando estranho.

– O-obrigada... – gaguejo.

Então, antes que eu perceba, ela se aproxima bastante de mim. Tipo bastante mesmo. Mais do que eu gostaria. E antes que eu possa ter qualquer reação, ela me beija, suas mãos sobre o meu pescoço. Tudo acontece tão rápido, que eu nem consigo entender direito. A primeira coisa que vem à minha mente é a Fê, e quando estou prestes a me soltar da Vitória e dizer que isso está muito errado, eu ouço passos atrás de mim.

Vitória para o beijo e arregala os olhos. Viro as costas e vejo Fernanda correndo em direção ao banheiro feminino, aparentemente transtornada.

Aperto meu rosto com as duas mãos, meus braços sobre os meus joelhos. 

– Pelos Deuses do Olimpo, o que foi que eu fiz?!

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