Epílogo

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No início eu tive medo, fiquei paralisada
Fiquei pensando que nunca conseguiria viver
Sem você ao meu lado
Mas então eu passei tantas noites
Pensando em como você me fez mal
E eu me fortaleci
E eu aprendi a me recompor

I Will Survive, GLoria Gaynor.

Yun era algo novo, tinha uma fragrância diferente de todas que eu havia sentido na vida. Era como chuva naqueles verões quentes, era como recomeço no meio do ano, Yun era diferente. Ela me lembrava Sol, com aquele sorriso fácil e extravagante, com aquele coração enorme e aquela determinação de recomeçar quantas vezes fosse necessário.

Yun era o meu recomeço.

Ela me tornou outro, e eu queria ser preso a ela pro resto da vida. Meu pai dizia que isso era por conta da idade e ele tinha razão, eu não tinha mais vinte e três anos. Os trinta estavam me deixando nervoso. Eu temia a velhice. Mas a verdade é que, Yun eu não poderia perder. Não poderia deixar que mais um erro me levasse algo tão precioso, tão raro.

— Jeyce, você não se decide. — ela sorria todas às vezes que pronunciava meu nome.

— Só um minuto, amor, eu acho que estou quase decidido sobre o azul. — estávamos comprando trajes de gala para o ano novo, festas estranhas que os meus pais fariam naquela época.

— Eu falei que o cinza combina bem com você.

— Ok, você venceu! O cinza ganhou. — falei, dando-lhe um selinho nos lábios.

Pagamos as compras e caminhamos pelas ruas cheias de Santana Mônica.

Eu estava planejando pedir Yun em casamento, e aquele era o passo mais difícil da minha vida. O anel já estava comprado, os pais dela já sabiam, só tinha mais uma coisa, eu teria que falar com Sam.

Não falo com ele há anos, até mesmo fugi da sua presença para não me lembrar de certo alguém. Mas o nome dela tinha rastros em minha vida.

Valery uma vez citou ela em uma festa. Disse que estava fazendo intercâmbio pela Europa, que a mãe dela tinha contatos importantes. Parecia ser uma nova Seline de quem ela falava. Félix havia sumido de Santa Mônica e eu desconfiava de onde ele poderia estar.

— Você está bem? Está naquele colapso de memória de novo! — Yun riu do seu comentário.

— Estou lembrando de uma amiga.

— A Cely?

— A irmã dela.

— Um dia quero muito conhecê-la, as pessoas dessa cidade falam muito de como elas eram parecidas. — Yun sabia sobre Cely, eu a levei no seu túmulo uma vez.

— Você gostaria dela. — falei. Eu sempre dizia a mesma frase, por que não tinha como não gostar de Seline, não existia essa de não querer ela em sua vida, era como Yun, você a viu, você a quer.

Caminhamos por mais um tempo, meus pés já estavam casados, mas Yun queria ver mais e mais atrações pela cidade e foi numa dessas em que eu vi o meu passado, naqueles reprises que a vida deveria ensaiar muito para que acontecesse do mesmo jeito.

Seline vestia um shortinho soltinho naquele dia quente, uma blusa de botões e um chapéu que alongava seu rosto. A Europa parecia ter refinado suas feições, mas seu sorriso continuava o mesmo. Eu parei estagnado assim que a vi, rindo para Félix Rivera como se ele fosse o único no meio de toda aquela gente, caminhavam de mãos dadas como um casal. Como anos atrás, naquele parque de diversões no qual eu a beijei pela primeira vez.

A droga de um anel dourado brilhava em seu dedo, uma aliança. Félix também tinha uma.

Eu poderia fazer como anos atrás e estragar tudo com um beijo, mas eu sabia como a história ia terminar de novo e de novo, não tinha o direito de fazer aquilo, não quando uma saliência pequena começava a aparecer no meio da sua barriga, que ela fazia questão de acariciar como se fosse algo confortável.

Seline estava grávida.

A realidade me atingiu de tal forma que eu me senti meio tonto por segundos.

No meio daquela multidão seus olhos me acharam, a saudade machucou meu coração quando aquelas íris verdes estavam sobre mim. Ela pareceu não me reconhecer, seus olhos voltaram de imediato para Félix enquanto conversavam sobre algo empolgante. Ela nem ao menos vacilou mais uma vez em minha direção, seus passos foram indo mais longe e mais longe.

— Parece que você viu um fantasma! — Yun falou mais uma vez.

— Está vendo aquela mulher com um chapéu na cabeça! — apontei, Yun seguindo a direção do meu dedo encontrando Seline a metros de distância. Ela olhava para Seline com seus olhinhos puxados, suas bochechas um pouco vermelhas pelo sol e um misto de confusão no rosto. Yun me despertava uma sensação de que eu sempre precisava mantê-la segura, como algo frágil que eu deveria proteger, cuidar dos seus sentimentos e ter cuidado para nunca feri-los.

— O que tem ela? — Ela era uma nova página e não merecia ser manchada pelos erros do meu passado. Como ela se sentiria se soubesse tudo o que Seline passou em minhas mãos? Suspirei, Seline nem ao menos se lembrava do meu rosto. Eu não deveria envolve-la no meu futuro também.

— Nada querida, ela só me lembrou alguém... — gaguejei. Meus passos se recusavam a sair do lugar, eu queria poder ficar olhando Seline ir embora só por mais um pouco de tempo. — Vamos jantar naquele restaurante que você gosta?

— Claro que sim!

Ela sorriu. Eu faria qualquer coisa para não errar de novo, até terapia se fosse preciso, mas eu não deixaria que por um erro mesquinho, mais alguém fosse embora da minha vida.

Jeyce Me BeijouOnde histórias criam vida. Descubra agora