IX. Novas Regras

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Havia uma criança ali. Mas ela não conseguia vê-la. Pela voz conseguia escutá-la, era um menino, rindo e a chamando. Começou a seguir aquela voz pela longa avenida de prédios vazia que se estendia à frente.

Aonde estou? Tentava dizer, mas a voz não saía. Ela apenas era atraída por aquela voz insistente.

Sentia a obrigação de segui-lo.

Quem é você? Gritou sem voz, os tornozelos começando a arder com a corrida.

Um prédio espelhado se estendeu ao seu lado, infinitos espelhos vermelho sangue, e quando olhou o reflexo de si mesma em um vestido rodado branco, notou um garoto bem à sua frente. Os cabelos eram iguais aos seus, e os pequenos olhos queimavam como chama viva enquanto sorria para ela.

Lágrimas inexistentes escorriam pelos olhos que não eram seus.

Ela tentou tocá-lo mas não conseguia se mover. Tentou segurá-lo para que não fugisse mas já era tarde.

Ele já estava longe, atravessando aquela avenida no momento em que um carro passou. Escutou um som de buzina forte em seus ouvidos. Parando-a, queimando, empurrando-a, dilacerando-a completamente.

Naquele momento Thalassa acordou, ofegante.

Merda de sonhos idiotas.

Seu celular tocava. A foto de Nicole com ela em uma praia parecia consumir a tela por completo.

Deixou educadamente cair na caixa de mensagens, enquanto tentava recuperar o fôlego. Ela estava evitando Nicole? Talvez. Mas era difícil atender uma ligação depois de acordar de um pesadelo de merda. Já era desesperador ter que pensar, falar era uma adição que não conseguia fazer. E tudo o que podia fazer era esperar que Nicole fosse para o inferno.

Ainda não estava pronta para falar com ela.

Thalassa gemeu enquanto rolava na cama para ficar de bruços, afundando o rosto no travesseiro. Sua garganta ardia, a boca estava seca. Sinal de que ela havia gritado. Desejou estar em Florença naquele quarto vazio, e rezou para que ninguém tivesse a escutado gritar.

Ela não precisava de ninguém a olhando com pena ou das piadinhas de Ícaro, que poderia ter lhe escutado do quarto ao lado.

Ainda era cedo. Mas o pesadelo à acordou em um horário saudável, o que era um milagre.

Sua cabeça doía por causa da ressaca. Quatro dias se passaram, quatro dias seguidos enchendo a cara com Nora até às 3 da manhã. Embora na noite anterior ela tivesse lhe deixado e Thalassa tivesse bebido sozinha.

Custou a levantar para escovar os dentes.

O sol já brilhava com vontade do lado de fora. Ela parou na sacada por um instante e absorveu toda aquela energia para si. A pulseira estava fazendo um milagre, diminuindo aquela pressão em suas costas. Não era mais desconfortável respirar fundo e sentir o sol contra a pele. Na rua, as pessoas já estavam agitadas. Lojas abriam, turistas passeavam e tiravam fotos, o cheiro de café fresco e comida vindo de certos pontos era inebriante. Um típico dia caótico e animado de uma cidade turística.

Era disso que Thalassa precisava. Tudo isso. Não lhe convinha mais estar em lugares escuros, que a sufocavam e impediam de viver. Ela precisava de alegria, energia e vontade de viver. Antes que perdesse o resto da vontade que tinha.

Nova Orleans a ajudaria com isso, ela tinha fé. Ou pelo menos queria ter.

Seu reflexo no espelho não demonstrava tanta vida, no entanto. Seu cabelo precisava de hidratação, ela estava com olheiras enormes, e o que era aquilo? Ai meu Deus, era acne. Prova do quão bem ela estava cuidando de si. Ótimo.

Icarus - Entre o Sol e o OceanoOnde histórias criam vida. Descubra agora