Depois que o avião pousou e Carol deu seu sermão de uma hora sobre como as coisas funcionariam em Ibiza por causa dos calos de Ícaro, a mente do cantor voltou a pensar exatamente a mesma coisa que nos outros muitos dias.
Eu tenho que escrever.
Mas em Ibiza não houve tanto tempo, se não contasse com a sua pequena folga um dia antes do show, que foi dedicada total e completamente à terapia das cordas vocais prejudicadas. Para que no dia seguinte, ironicamente, ele as machucasse ainda mais durante um show inteiro, já que playback estava fora de cogitação.
Seus fãs haviam esgotado as entradas porque queriam escutar O Ícaro ao vivo e não seria ao vivo se rodasse uma voz pré-gravada.
Até mesmo um monstro como ele tinha limites.
Aquela folga, no entanto, foi fielmente aproveitada.
Ícaro passou algumas das primeiras horas do dia no spa, não exatamente contra a sua vontade. Ele tinha consciência de que manter as aparências era importante nesse ramo e há semanas estava com a aparência de quem não dorme e cheira fileiras de cocaína para se manter ainda mais acordado — para seja lá quem esteja tomando notas, o cantor não cheirava desde a overdose —. As olheiras estavam fundas, as linhas de expressão do rosto mais acentuadas e os seus lábios estavam secos e rachados, cortesia do excesso de cigarro. Então ele não negaria algumas horas de máscaras faciais veganas, esfoliação, manicure e massagens — que, graças aos deuses, foram feitas por mãos repletas de sabedoria.
Nada como um homem que não tem a masculinidade frágil, ele ouviu alguma mulher de passagem sussurrar.
No almoço, Ícaro pediu um filé grande e suculento, mas o que chegou em seu quarto foram legumes assados com pouco tempero e um suco verde. O que o deixou revoltado já que ainda que nadasse em dinheiro, Carol sempre dava um jeito de controlar até o que ele comia. Cansado demais para fazer uma cena, ele teve uma refeição que não aplacou nem metade da fome, fazendo-o ir até a cozinha escondido horas depois. Ele rapidamente fez amizade com os cozinheiros, que, ainda que tivessem protestado, serviram para ele creme de lagosta e um bom linguine com camarão, ali mesmo, na cozinha.
Era fácil para ele fazer amigos. Ainda mais quando se tinha o benefício da fama.
Logo depois do almoço, ainda mais cansado e com fome, o cantor ficou sozinho por um tempo a fim de trabalhar a terapia dos calos.
Era quase desolador a possibilidade de não poder mais cantar. Talvez aquela fosse a única coisa que o segurava naquele purgatório, entre a ilusão e a realidade. E esperava que essa terapia, de controle e massagem vocal, fizessem os calos sumirem sozinhos, para que não houvesse necessidade de cirurgia.
A verdade, para quem não podia ver, era que Ícaro Kalamari era um puta covarde com medo de fazer a cirurgia e não conseguir cantar nunca mais.
O cantor não estava tomando exatamente todos os cuidados para que melhorasse logo. Havia ainda alguns hábitos que não conseguia desviar mesmo que tentasse, e muito.
Ele até dormiu mais cedo naquele dia. Respeitando pela primeira vez a política de: Nada de álcool e sexo no dia anterior à um show. Então se absteve de suas necessidades autodestrutivas do dia para amenizar a barra com a Caroline.
Mas, que os deuses o matassem, a agente apareceu no quarto dele naquela noite, um tempo antes de Ícaro dormir. Ela usava o roupão do hotel, como se tivesse acabado de sair do spa. Devia estar precisando de uma massagem depois de passar tanta raiva com ele. Ela ainda estava puta, mesmo que Ícaro tivesse dado um jeito no chupão do seu pescoço.
― Eu quero conversar ― Carol declarou quando o cantor abriu a porta para ela entrar.
Sua relação de cunhados havia se estreitado desde a morte de Sol, havendo poucos momentos verdadeiramente tranquilos entre eles. Caroline ainda achava que era culpa de Ícaro, mesmo que não soubesse metade do que eles haviam passado. Se ela descobrisse que o cantor não era o único culpado naquele relacionamento fracassado, no entanto, ainda sim o culparia.
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Icarus - Entre o Sol e o Oceano
Fantasy🏆 VENCEDOR DO WATTYS 2021 na categoria PARANORMAL 🏆 Conteúdo Adulto (+18) Em Nova Orleans tem de tudo. É lar de gente sem medo de viver, com rock alto e jazz melancólico de trilha sonora. É onde os sonhos moram, as ideias nascem, os amores aflora...