eu quero falar com o chef

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Mais um dia no restaurante. Mais um dia na cozinha. Já é de tarde, por isso o trabalho não fica leve. Ocupo-me, como sempre, em guiar meu navio, minha equipe. Amo escutar um "sim, chef", pois certamente mereço. É como uma máquina cheia de engrenagens, eu sou o operário a calibrar. Está tudo bem se falharmos uma vez ou outra. Sei o potencial de cada pessoa aqui. E me sinto bem em participar dos melhores momentos.

Ok, eu me estresso bastante. Xiaojun me apareceu com um prato meio feinho, com uns negócios salpicados — segundo ele, foi sem querer, mas que poderia usar como desculpa artística. Cortei logo as asas dele e falei que a apresentação não é aquela e que aquilo estava mais para uma bagunça do que outra coisa. E eu preciso lidar com inúmeros defeitos antes de permitir que um prato vá para a mesa do cliente. O meu último surto aqui foi uma carne mal passada sendo entregue num pedido que claramente especificava carne bem passada. Mas me recompus. Já estou bem.

— Chef — um dos garçons novos, Jeno, aparace à porta da cozinha todo preocupado. — Tem um cliente solicitando um coq au vin com vinho escocês, carne de galo, bacon no molho... — ele vai lendo na caderneta. — E uns negócios de erva...

— Quê? — indago, aproximando-me dele.

— Foi o que ele falou — Jeno encolhe os ombros.

— Diga que o coq au vin servido aqui é diferente, os ingredientes estão no menu — viro-me para tirar umas verduras do forno, porque estou sem tempo de lidar com gente maluca que não lê o menu.

— Certo, chef — ele se retira.

Volto minha concentração aos meus afazeres daqui. Tenho dois pedidos pendentes e jogo-os nas mãos de Xiaojun e Kun. Estou a terminar a apresentação de três pratos quando Jeno me aparece de novo.

— Chef — aproxima-se de mim. — Chef, ele quer a versão que me disse.

— Então diga que ele não vai ter, sinto muito — saio de perto dele para mexer a colher do molho que estou preparando. — Recomende que peça o coq au vin que temos aqui, porque é o máximo que ele vai ter.

— Ah, ele disse que o que ele quer é... — Jeno aperta os olhinhos para enxergar melhor no papel. — Cock in an van... Acho que é isso, chef. Ele cometeu um erro, porque acho que não há um "n" junto com o "a" na sentença, então...

Eu dou um mute mental do Jeno, porque esse negócio não me é estranho... Cock in an van, ainda pronunciado meio errado, com esse "an", quando deveria ser apenas "a"... Isso está com cheiro de se tratar de uma pessoa, só pelo inglês meio capenguinha e brincadeirinha com o nome. Acho que sei quem é. E eu vou descer ele na porrada.

— Jeno, avise a ele que temos outras coisas no menu... — respondo, indo lavar minhas mãos para cortar algumas batatas.

Jeno sai, mas logo volta. Diz que o cliente está solicitando a presença do chef e parece meio bravo com a situação. Eu só não saio agora com a faca na mão porque eu não quero ser preso, senão a lâmina ia rodar no ar e, sem querer, agarrar na cabeça desse alguém.

— Ofereça alguma coisa enquanto eu vou — é o que respondo.

Jeno sai, eu respiro fundo. Yangyang comenta que é estranha essa insistência do cliente por algo que não terá, sendo que há algo parecido aqui e é extremamente gostoso. Eu não dou muita atenção aos comentários da cozinha, corto algumas batatas o mais rápido possível e digo para Kun assumir minhas atividades na cozinha. Saio apressado enxugando as mãos no avental e, assim que vejo as costas de Jeno, sigo nessa direção.

— Mas eu já falei... — eu instantaneamente reconheço a voz de quem está a falar com Jeno. — Eu quero falar com o chef.

— Jeno — chamo-o, me aproximando da mesa. Eu ainda não olho para o motivo do meu surto. — Kun está com os pedidos da mesa três prontos. Vai lá servir.

thé et fleurs༶✎༶tae. tenWhere stories live. Discover now