eu posso te ajudar?

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Quem matou Cock Robin?, eu escutava quando menor. "Eu, disse o pardal, com meu arco e flecha, eu matei Cock Robin", eu repetia, com um pirulito na boca e as pernas para cima, num short listrado com cores vibrantes. E eu ignorava minha irmã conversando com seu namorado no telefone, porque era difícil admitir seu crescimento e eu estava cansado de tentar entendê-la. Quem o viu morrer?, a caixa de som esperneava enquanto eu me balançava com tédio. "Eu, disse o díptero, com meu pequeno olho, eu o vi morrer", eu repetia mais alto, porque minha irmã ria e eu não conseguia entender por que é que namorados se falam tanto, principalmente de madrugada. E minha língua estava azul, assim como algumas listras do meu short. E minha mãe fingia não estar chorando no cômodo do outro lado do andar. E meu pai ria das piadas de algum talk show misógino que estivesse passando no andar de baixo. E eu estava cansado, cansado por ter uma casa grande, mas não caber nela. Cansado por ter um planeta grande, mas não caber nele. Cansado por ter um universo grande, mas não caber nele. Cansado por acreditar na existência de outros incontáveis, mas não acreditar que pudesse caber neles. Quem pegou o seu sangue?, eu virei o rosto para fingir que não percebi o olhar de repreensão da minha irmã por eu ter peidado alto demais. "Eu, disse o peixe, com meu pequeno prato, eu peguei o sangue", eu repetia antes de desligar o aparelho DVD novo que havia ganhado há poucos dias. Porque eu não entendia como minha irmã poderia ficar tanto tempo namorando alguém. E eu não entendia porque minha mãe sustentava tantas mentiras sobre seu bem-estar. E eu não entendia porque meu pai havia se casado com ela. E eu também não entendia porque uma canção tão sangrenta como essa é considerada infantil. Então eu percebi que certas coisas eu nunca iria entender.

Certas coisas eu nunca iria entender e me acomodei neste pensamento. Acomodei-me nas decepções, nas recepções, nas traições que participei e nas traições pelas quais escorreguei. Se todos vão, o mundo gira e provavelmente somos todos feitos de corda... Talvez eu pudesse agir como se fosse viver apenas uma vez, do que simplesmente aceitar e me acomodar numa vida ordinária. E esse foi o pensamento que cozinhava meus hormônios quando o namorado da minha irmã apareceu para terminar com ela. E eu me lembro que ela não ficou mal. E eu me lembro que eu estava na piscina. E eu me lembro que nos beijamos sem querer. E foi essa chantagem, essa informação que deixei vazar ao Doyoung que ele usou contra mim no dia em que conheci o tal do Lee Taeyong. Mas não sei se foi o medo de ele contar a alguém essa informação que me fez aceitar Taeyong no restaurante. Algo em mim arde.

Certas coisas eu nunca iria entender e continuo sem fazê-lo. Gosto da chuva para pensar, gosto de geleia de morango na torrada para me sentir amado por mim, gosto do som do piano, porque ele só aparece quando estou pensativo ou triste ou pensativo triste ou somente triste, porém pensativo. E há diferenças entre todos. Mas não seria capaz de listá-las.

Acho que crescer é uma droga. E eu penso nisso ao encher meu copo com vodca barata que encontrei no 24hs aqui da esquina. É tarde da noite. Talvez seja madrugada. E daqui a algumas horas vou estar correndo em círculos e direi que estou em forma. Porque eu estou em forma. Mas é que hoje eu demiti alguém. Hoje eu gritei também. Hoje minha cabeça estourou, porque três pedidos estavam atrasados e justificaram com a informação de que Kun estava no banheiro há quarenta minutos. Seria engraçado se eu estivesse na faculdade. Mas eu cresci, então não foi engraçado. Eu chorei cortando cebola e isso não acontece há muito, mas muito tempo.

Então vos pergunto: quem matou Cock Robin? Foi o pardal? Realmente foi o pardal? Na animação da Disney de 1935, o pardal era o cupido. Um ousado, risonho e malandro cupido. E ele acertou Cock Robin no peito, e confessou após o julgamento. Aquilo foi pura romantização. Cock Robin não poderia ter caído por metros e metros até atingir o chão por conta do amor. O amor não valeria a pena, valeria? Valeria realmente a pena morrer — de maneira conotativa — por uma flecha e desfalecer ao chão imundo, porque apaixonou-se por uma garota ou qualquer que seja a quem seu coração para e acelera e para e desmancha e desmantela e tu chama de amor e querida e honey e baby e tu pega pela cintura e dá um abraço e um beijo na boca e tu canta um verso e dedica uma prosa e escreve poesia com tua letra horrorosa? Apaixonar-se é assassinato. E Cock Robin, ao fazê-lo, encomendou a própria morte. Me pergunto se fiz o mesmo.

thé et fleurs༶✎༶tae. tenWhere stories live. Discover now