Casa

84 5 5
                                    

O odor a canela e cravinho era forte no pequeno quarto, o que levou-me a despertar. Tinha acordado mal disposta e rígida nessa manhã, cedo e a más horas, às nove da manhã, incapaz de voltar a dormir depois de uma longa noite inundada de terríveis altos e baixos, uma mistura de sonhos com pesadelos. 
Espreguiçando-me, reparei num chá de canela preparado em cima da minha mesa de cabeceira. Puxei o caderno de rascunhos que estava ali e verifiquei a lista de afazeres do dia. Inspirei, concluído que teria um dia longo. Apelando à minha força de vontade, descolei-me da cama e troquei de roupa com a minha super velocidade. Envolvi o meu tronco com a mala do trabalho, por um momento estranhando a mesma, jurava que era diferente da habitual.
O cantar dos pássaros e o frio da manhã fizeram-me erguer a cabeça. Tudo estava calmo e húmido, sem o trânsito da hora de ponta. O Sol tentava romper o leve nevoeiro, conferindo a tudo um brilho dourado. Ergui as sobrancelhas e perguntei-me quando é foi a última vez que a cidade pareceu-me assim tão vazia. 
Em passos lentos comecei a mover-me, com o destino marcado para o café mais próximo que encontrasse. A campainha da porta marcou a minha entrada no estabelecimento. Deslizei até ao balcão com intenções de fazer o meu pedido e ir embora, porém uma voz rouca chamou-me à atenção e os meus olhos rapidamente saltaram para a silhueta feminina que estava de costas para mim do outro lado do balcão.
- Lena? - chamei sem intenção e muito menos de onde foi desencantar aquele nome. Desconcentrada limpei do braço a humidade do nevoeiro.
- Quem? - perguntou, com os lábios erguidos, mas a testa franzida. 
Fixei o olhar nela e a recordação de já ter escutado aquela doce voz antes intrometeu-se nos meus pensamentos e senti um aperto no estômago. Senti a respiração a ficar presa, depois deixei-a escapar de mim, num queixume, quando as minhas palavras simplesmente desapareceram. 
O gemer da porta da pastelaria foi a última coisa que ouvi, antes de abandonar o local com pressa. Funguei, sentido uma estranha dor de perda dentro de mim. Este dia é daqueles que vou acrescentar à minha lista de maus dias, sem dúvida.
Perto da esquadra da policia, observei Julian. Erguia-se do outro lado da rua, envergando uma calças de fato cinzentas e um casaco mais casual a combinar. Tinha na mão um copo de plástico com café e uma expressão suplicante nos olhos. O cabelo estava penteado para trás e as faces barbeadas. Quando reparou em mim, acenou-me e sem pressa atravessou a calma rua.
- Olá, tudo bem? - perguntou ele, depois de eu o ter fitado em silêncio durante bastante tempo. - Queres entrar comigo? - apontou para a porta da entrada do prédio.
- Sim - murmurei, tomando a iniciativa de entrar primeiro.
Um sorriso aliviado pairou-lhe no rosto.
- Precisas de ajuda naquele caso da máfia italiana? - sussurrou, como se o assunto fosse um segredo.
- Como assim? Isso não foi tratado há meses? - a minha voz era baixa, imitando a tonalidade da do Julian.
- Kara, o caso foi aberto ontem - disse ele, o olhar deslizando sobre o interior da delegacia, com uma expressão severa estampada no rosto, como se achasse que eu estava a brincar com um assunto sério.
- Desculpa, eu hoje não acordei bem - tinha a cabeça baixa, mas ergui os olhos quando Julian pousou suavemente a sua mão sobre o meu ombro.
- Dias maus acontecem a todos - Julian saltitou de um pé para o outro, sendo óbvio que desejava abraçar-me, porém recuou com receio da minha resposta ao gesto.
Assenti com a cabeça agradecendo a compreensão dele num gesto silencioso.
Naveguei sem pressa pela delegacia até encontrar o meu escritório, esse na qual entrei e a porta atrás de mim tranquei. Em seguida, uma batida bruta fez a porta tremer, ainda com a minha mão na fechadura, encarei o material metalico antes de o tirar da frente da pessoa do outro lado.
- Estás parva? Quase que levei com a porta no nariz - reclamou, Julian carrancudo enquanto me encarava com raiva.
- Desculpa, foi sem querer - murmurei, recuando dois passos, dando a ele espaço para entrar.
- Sem problema - a sua expressão era calma, mas ele soava amargo.
O meu rosto enrugou-se e os olhos semicerrei perante a luz forte e a brisa cortante que escapava pela janela completamente escancarada - Eu deixei a janela aberta? -
- Penso que não - murmurou, enquanto fechava a janela e afastava as cortinas para os lados, deixando a luz iluminar o escritório.
- Bem, se não precisas de ajuda no caso dos italianos e estás bem, eu vou andando porque tenho algo para fazer - os seus dedos longos agarraram o puxador, pronto para abrir a porta.
- Julian, obrigada - disse eu, antes de me afundar na cadeira da secretária.

#####
NOTAS

Não está perfeito e muito menos longo, mas eu decidi seguir em frente com a ideia original da fic ao invés de simplesmente a apressar. Para quem estiver confuso, apenas esperem pelo próximo capitulo, prometo que vão perceber.

Até à próxima.

Perdida entre terrasOnde histórias criam vida. Descubra agora