13 ▪︎ Os Imperdoáveis

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Susana despertou mais cedo que o normal e ficou apenas olhando para o teto, pensando no que seria do dia de hoje. A primeira exibição. Passou anos lembrando desse momento, pensando em como a vida seria diferente se, anos atrás, ela não tivesse passado por isso. Mas passou, e foi como foi. A partir daquele evento, a tensão se tornava real. Até então, apenas indo os ensaios e ouvindo as especulações sobre os participantes, tudo parecia quase distante, mas, a partir daquele dia, seu rosto estaria novamente em destaque e Susana estaria novamente vulnerável.

O banho da manhã foi mais demorado, e o tempo de se arrumar foi mais longo, não por Susana estar caprichando, mas por estar tão perdida em pensamentos que se distraía entre uma ação e outra. Enquanto também se arrumava, Cristiane observava os movimentos abobalhados da irmã.

- Quer levar uma coisinha para te acalmar? Tipo um suquinho de maracujá, um chazinho de camomila, um Rivotril...

- Para com isso, Cris! - Susana riu - Eu tô bem, só pensando.

- Nesse caso, leva Lexotan.

- Relaxa, ok? Eu vou trabalhar, servir sorvete igual uma louca vai me ajudar. Vai andando pro Centro comigo?

- Vamos então. Mas, sem gracinha agora, estou preocupada. Você acordou horas mais cedo, ficou olhando pro teto como se visse uma alma penada e agora anda por aí como se a tal alma fosse você. Su, você já fez isso, fez com excelência e sabe que consegue fazer de novo. Não deixa tua mente te trair agora.

-Cris, você sabe o quanto esse programa acabou comigo. Eu não tenho como mentir, eu tô apavorada! E se eu perder de novo? Eu passei anos sendo alvo de piadinhas das mesmas pessoas que faziam questão de andar comigo todos os dias. Até os professores ficaram diferentes. Pessoas que nunca falaram comigo davam entrevistas dizendo que éramos grandes amigas e depois nem olhavam na minha cara -Susana agora chorava desesperadamente - Eu fiquei cercada de fotógrafos esperando eu dar qualquer vacilo para jogarem nas páginas de fofoca das revistas. Esperavam que eu falhasse! Todo mundo esperava ganhar algo de mim e depois me descartava. Eu parei de me sentir gente, uma pessoa! Eu virei um acessório que perdeu o valor, tipo uma bijuteria que oxidou com o tempo.

- Esse povo sumiu da tua vida, Su, e não vão mais voltar. Eles te usaram porque você permitiu, você nunca se impôs, por medo da nossa mãe. Mas ela está morta, assim como toda a relevância dessas pessoas na tua vida. Se a tua preocupação é ser manipulada, ninguém mexe com quem não pode tocar. Vá lá e se torne inalcançável!

Susana passou a manhã inteira com essas palavras na mente. Trabalhou bastante, se distraiu e quase esqueceu do que estava por vir. Enquanto lavava as colheres na pia do balcão, uma figura se aproximou sem chamar atenção.

- Bom dia, Susana. Pensei que não te acharia aqui hoje. - Augusto estava novamente parado em frente à sorveteria.

- Que susto, meu Deus do céu! - Susana deixou o jato de água cair no meio da colher, espalhando o líquido gelado por todos os lados.

- Desculpa, não foi essa a intenção - Augusto riu, enquanto tentava secar o rosto com uns guardanapos - Eu só queria te fazer uma pergunta: Por que, depois do primeiro ano do ensino médio, você parou de falar comigo?

- 1991, né? Me perdoa, não era nada pessoal. É que, você sabe, The High Note Show, as críticas, as pessoas interesseiras, a sobrecarga, a vergonha, medo, mídia...

- Eu gostava de você, Susana. Gosto de você. Quero dizer, não sei se ainda gosto. Eu gosto de quem você era desde o fundamental, mas não sei se ainda é. Talvez você ache que eu só estou falando por causa do reality, mas não é nada disso. Eu ainda pensava em você todo dia e ia te contar isso no terceiro ano, quando eu finalmente tomei coragem, eu sempre tive certeza de que era isso mesmo que eu queria, mas eu não conseguia te achar em qualquer horário que não fosse em aula e, na formatura, você fugiu.

It's (NOT) A Love SongWhere stories live. Discover now