25 ▪︎ Os Bons Companheiros

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- O de sempre, Augusto? - Cristiane, que  conhecia bem o rapaz à sua frente, já tinha pego o copo médio de milk-shake - Um milk-shake de morango com granulado saindo.

- Agora fala. - Augusto misturou o granulado na espuma de creme batido e pegou novamente sua carteira - Você pode tomar sorvete aí? Se não estiver enjoada, toma aqui, pega um milk-shake pra você também.

- Eu vou aceitar. Acredita que não posso tomar uma raspinha de sorvete, nem quando o pedido tá errado? A vida é tão injusta... - Cris preparou um milk-shake de chocolate bem caprichado para si mesma - Mas qual foi? Por que tá sendo legal comigo? Você não tá flertando comigo só pra se manter na família porque a tua sogra morreu, né?

- Quê??? Que ideia é essa, mulher?- Augusto gargalhou - Por mais que você seja muito parecida com sua irmã, não, eu não tô flertando com você. É que eu acho que as coisas devem estar meio complicadas agora que vocês duas estão ficando cada vez mais separadas. Eu costumo ser bom ouvinte, ou, às vezes, eu só finjo bem.

- Por mim, isso já serve, mas seja bom ator, eu tô precisando me entender sobre uma coisa. Aí vai: Eu sempre me inspirei na Susana pra tudo, sabe? Ela é a mais velha, minha heroína, sempre foi a mais incrível das pessoas pra mim.  E agora ela beijou um cara, ela sai com ele e eles ficam o tempo todo de ti-ti-ti pra um lado e de coisinha pro outro. O problema é que eu não sei se quero isso.

- Então você é sapatão?

- NÃO!! E não chame de sapatão, só sapatão chama sapatão de sapatão, olha o respeito, isso aqui é uma sorveteria de família. O ponto é que eu quero sentir a mesma coisa, sabe? Quero gostar de alguém, encontrar alguém que me inspire e tal, mas não consigo me imaginar com ninguém! Tem uma menina, a Érica, ela é da escola, ela é linda, mas eu não consigo me imaginar beijando ela ou sentindo alguma coisa realmente profunda por ela e, bem, por mais ninguém, na verdade. Será que eu sou um monstro anti-sacanagem e à prova de romance?

- Olha, Cris, - Augusto suspirou - se inspirar na Susana é normal, mas você não tem que ser como ela ou fazer exatamente tudo que ela faz. Se você não está pronta pra gostar de alguém, tudo bem, mas, se você nunca gostar, tudo bem também. O amor faz a gente de idiota, às vezes. Olha só pra mim: eu fui lá dizer que amo sua irmã e acabei acusado de um incêndio criminoso.

- Foi ele, não foi?

- Foi. Eu sei que foi, eu só não sei como provar, e falar com a Susana vai ser a mesma coisa que falar com uma porta. Mas, vamos deixar isso pra polícia, o ponto aqui é: Aproveite enquanto você ainda não sentiu as dores do amor e viva feliz, lendo seus livros fofos e acreditando que tudo tem final feliz pra todo mundo.

- Acho que é um bom conselho, cara. Principalmente porque é uma relação fals... Oh oh, opa.

- ENTÃO ERA MESMO TUDO MENTIRA???? Eu sabia, aquilo tava realmente estranho...

- Shhiu!! Para de gritar! Eu falei demais, mas, sério, não fala pra ninguém. Eu não quero nem pensar no que poderia acontecer se Susana soubesse que quem deu com a língua nos dentes fui eu.  Mas agora fala do incêndio, o que você sabe sobre isso?

- Ih, olha só a hora, Cristiane! Você fala demais. - Augusto desencostou do balcão onde esteve apoiado durante toda a conversa e jogou o copo vazio em direção à lixeira, acertando de primeira - Olha só, aparentemente eu não esqueci das aulas de vôlei! Preciso ir, Cris, manda um beijo pra sua irmã.

Cristiane suspirou. Aquela conversa não deveria ter acabado daquela maneira.

***********

Susana já chegou furiosa ao ensaio do dia. Como pôde dar uma mancada dessas? Era pra ser só um selinho, mas acabou virando um "flagra romântico do casal mais badalado do momento". O pior é que não podia culpar ninguém pelo vacilo. Ela não olhou em volta quando decidiu beijar Werá, achou mesmo que, por estar tão longe e ser tão tarde, ninguém os teria seguido. Agora era tarde demais, alguém tinha visto os dois, deu a sorte de estar com a câmera preparada no momento certo e agora o mundo todo sabia que ela havia se tornado mais uma das infames conquistas de "Martín Rodriguez".

- Boa tarde, Susangada. Como vai a moça direita que não faria nada pelas câmeras?

Com um movimento rápido, Susana passou o corpo pelo lado esquerdo de Werá e encaixou um gancho de direita na altura do diafragma do rapaz, fazendo-o se curvar pra frente.

- Cala a boca. Não era pra ninguém ter visto. Na apresentação de amanhã, eu estou até prevendo, vai ter alguma atração específica só pra falar de nós, e olhe que eles nunca fizeram isso. Que droga! Tudo que eu não queria era exposição.

- Ué, boneca, então deveria ter ficado em casa. Você não queria dinheiro? Vamos fazer dinheiro!

**********

O auditório lotado vibrava após a última apresentação, mas os nomes de Susana e Martín eram os únicos a serem chamados pela multidão. As apresentações da noite tinham terminado há pouco e agora o apresentador falava amenidades antes de anunciar o eliminado. Como Susana previra, o assunto mudou drasticamente para focar nela e na sua relação com o "galã" Martín Rodriguez.

Raul Liberato, o apresentador, tentou de diversas formas conseguir pegar Susana em alguma pergunta capciosa, mas a jovem desviava.

- Mas, fale a verdade, Susana, você permanece virgem? - Raul perguntou sorrindo maliciosamente

- Óbvio que não, seu Raul, eu sempre fui de sagitário. - Susana fazia sua melhor cara de sonsa e a plateia enlouquecia.

- Ela está fazendo esse jogo duro, mas o casal vai estar no programa da Helga Com Amargo dessa semana, e vão contar todos os detalhes picantes dessa relação. Não percam!

Werá tentou disfarçar sua expressão de surpresa, mas Susana não teve tal habilidade, então o programa foi encerrado com um grande close nos olhos arregalados em completo choque da jovem.

Em um sussurro desesperado enquanto a plateia dispersava, Susana vociferou

- Que droga de ideia é essa, Raul??? Isso não estava no contrato!

- Susana, calma, você anda nervosinha demais. Martín não anda fazendo o serviço direito?

- O serviço dele é cantar, e isso ele faz, e muito bem, inclusive. Infelizmente não posso dizer o mesmo sobre você.

- Susana, a questão aqui é o IBOPE. Estamos com tudo! O beijo de vocês sacudiu a audiência de formas extraordinárias. As pessoas querem vocês e nós queremos dar isso a elas.

- E por que você acha que faríamos isso? - Susana cruzou os braços em um tom desafiador

- Pelo pagamento certo, a gente pode negociar  - Werá interrompeu a conversa

- Ah, Martín, você não decepciona! Considerando que o salário mínimo está em R$100, que tal R$300?

Werá estava prestes a aceitar quando Susana interrompeu

- 700 pra cada!

-Tá doida, Carmo!? - Raul Liberato até engasgou - Isso foi ideia do, Antônio, o produtor, essa parte é com ele.

Como se ouvisse o chamado, Antônio surgiu:

- Estamos falando da entrevista?

- Estamos falando do cachê - a empolgação de Werá era nítida

- Quero 700 pra cada! - Susana fraziu a testa

- 400! - Antônio rebateu

- 500 e não falamos mais nisso

- Susana, você é uma mercenária! Fechado. Vou pedir pra Solange, a secretária, arrumar a papelada. Vamos gravar amanhã. - Antônio tinha um ar de quem havia se rendido pelo cansaço - Do jeito que anda a coisa, você vai ganhar uma pequena fortuna só pra ficar parado e falar meia dúzia de palavras, hein, Martin. Você é um cara muito sortudo! Mesmo que ela fale tudo,  pelo menos demonstre empolgação, ok?

Werá sorriu, ele estava realmente muito empolgado, só não sabia ainda com o quê.

It's (NOT) A Love SongOnde histórias criam vida. Descubra agora