Capítulo IV - Quase Mortes [Parte 15]

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— É perda de tempo. — Valéria comentou.

Raquel sobressaltou-se, não tinha escutado a mãe se aproximar. Tinham perdido um pouco o hábito de sapatos e o caminhar tornava-se silencioso.

Estava no ponto mais alto da fortaleza, a torre leste. A vista pouco diferia da janela de seu quarto, a construção que emergia do lago não era das mais grandiosas, mas Raquel apreciava subir até aquele ponto, nem que fosse para sentir melhor o vento no rosto, nos cabelos.

— O que é perda de tempo? — perguntou à mãe, sabendo a resposta.

Valéria sorriu e balançou a cabeça, um tanto sem paciência.

— A presença um do outro faz vocês se comportarem como jovens tolos, é engraçado de observar. Voltam a agir como eram, na última vez que se viram.

— Ele me dá nos nervos — a princesa justificou.

A mãe revirou os olhos e deu mais alguns passos para se juntar à Raquel no parapeito da torre. Ajeitou algumas mexas do cabelo da filha, deixadas selvagens pela brisa.

— Sempre deu, isso que quero dizer. Mas não adianta ficar criando planos mirabolantes para matar seu irmão, querida. Você nunca vai fazer isso, não de verdade.

Raquel bufou ao ouvir o comentário. Afastou a mão de Valéria com um tapa leve.

— O que?! Você acha que eu não consigo? Leonel pode ser forte, um guerreiro treinado, o que ele quiser! Mas eu tenho meus meios.

A rainha franziu o cenho. Era raro surpreender-se com qualquer coisa, mas Raquel percebeu que a violência de seu tom de voz assustou a mãe. Valéria balançou a cabeça em negativa, respirou fundo e desviou os olhos para o horizonte. O lago refletia o sol forte da tarde, a luz nas águas chegava a ferir a vista.

— Não é nesse sentido que digo, Raquel. Você tem, sim, seus segredinhos e suas formas de machucar seu irmão. E você pode insistir em perder seu tempo imaginando diversas formas de atingi-lo — virou-se para a filha. — Mas você não vai fazer nada disso, por que sabe muito bem que o problema não é Leonel. E sabe muito bem pelo que ele está passando.

Raquel foi incapaz de sustentar o olhar da mãe. Encarou a pedra do chão sob seus pés, como se pudesse encontrar ali uma resposta.

— Ele é parte do problema — resmungou.

Sentiu-se uma criança reclamando que o irmão havia desaparecido com algum de seus pertences, manchado um vestido, qualquer tipo de discussão boba. Mas nada daquela situação poderia ser comparado com alguma banalidade do tipo. Leonel era um dos responsáveis pelo seu sequestro e cárcere. Seu e de sua mãe. Não era algo que poderia perdoar ou relativizar.

— Sim, ele é parte. E vai se odiar para sempre por isso — Valéria falou.

Raquel enfim voltou a olhar para a mãe, seus olhos marcados pelo rancor. Cruzou os braços, tentando controlar as mãos que tremiam com a raiva.

— Se odiar? Não é possível que você acredite nisso. Leonel nunca se arrependeu de nada na vida. Não tem noção do que significa consequências!

Valéria ergueu as sobrancelhas.

— O Leonel que você conhecia. Sim, ele era assim.

— E por acaso este é outro Leonel? — Raquel zombou.

Viu a expressão da mãe tornando-se grave, pensativa. Havia algo que mesmo ela ainda não conseguia compreender.

— Não... — ela disse — De fato, ainda não é outro. Não por completo, não ainda. 

Livro 2 - A Sombra, a Música e a Espada [completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora