Sol das Almas (Livro II) CONCLUÍDO

Júlia... LIV

Psicopatas fingem ter sentimentos, pessoas normais negam senti-los.

             Sou um ser humano estranho , não consigo pensar direito nem ser produtiva se estiver tendo um dia bom ...As coisas ficam mais claras quando estão sendo lavadas com água ! Sou um gênio quando estou triste , e não tenho uma explicação para isso ,talvez,outro transtorno.
Estava em um desses dias bons , em casa com pessoas cuidadosas , conversando sobre os acontecimentos mais recentes, sobre as coisas mais relevantes que aconteceram quando não estava aqui . Só que em determinado momento todos saíram,cada um tinha algo para fazer,eu só tenho que esperar minha nova audiência ... Onde outra pessoa decidirá mais uma vez ,como devo viver minha própria vida .James não apareceu ,nem atendeu muitas das minhas ligações,acho que ainda é cedo para reve-lo ,mas quando é a hora certa?
        Vesti um short confortável,uma camisa do Morte.

Sai pelos fundos da casa, tive um pouco de dificuldade para pular o muro ,mas consegui, passei pelo quintal da dona Tereza, e cheguei na outra rua . Escriba vive na varanda, não quero correr o risco de ser seguida por ele . As ruas continuam iguais ,as pessoas completamente diferentes, só uma coisa não mudou ...Todos continuam não gostando da minha cara ...
Ainda não fui proibida de fazer nada, tenho que aproveitar um pouco da minha curta liberdade. Não demorou para chegar no final da rua Urânio, a rua do cemitério ... Mas não estou indo para o cemitério, só pegando um atalho para a cachoeira que não fica muito longe . Preferi seguir pela mata,do que pela rodovia, estou muito desconfiada ultimamente .
          Presa naquela cela,lembro que fechava os olhos e tentava imaginar o cheiro da floresta,cada barulho ,o canto dos pássaros,e os sons dos insetos, porque só na imaginação era possível caminhar por um lugar assim . E agora estou realizando meu desejo, o sol está pronto para nos fritar, já disse que não gosto de dias ensolarados .... Ultimamente todos os dias está assim . Desci um desfiladeiro, segurando nas árvores , a terra é escorregadia, se pisar em falso ,ela desliza ...Uma cobra . O pequeno réptil desfilava entre as folhas , parei e esperei a bonita atravessar, pequena mas com veneno suficiente para causar um estrago .Quando ela já estava à uma distância segura, continuei o trajeto ,já ouvia o barulho das águas ... Logo cheguei na vargem, segui sem dificuldade até queda de água, nessa época as chuvas são escassas, a água está num nível muito abaixo do normal .
        Não há ninguém aqui,os banhistas frequentam a parte próxima a rodovia, onde estou é muito abaixo, as pessoas não costumam se arriscar , desde que James matou a garota logo abaixo de onde estou,e a deixou sobre a pedra como uma oferenda. Tirei as roupas , e entrei ,caminhando pelo poço,pretendia chegar até a queda de água ,e ficar lá debaixo , sentido a água cair sobre meu corpo , e talvez esquecer coisas que está tumultuando minha cabeça ....Parei, havia algo abaixo dos meus joelhos ,encostando na minha perna, algo macio .
Resolvi dar a volta no que quer que fosse , mas havia algo igual ,com um pouco de raiva, chutei o negócio ...
         Um corpo ...
O cadáver estava boiando na minha frente, a pele extremamente branca , havia um lodo em seus braços,os olhos abertos, com alguns ferimentos,como se estivesse sendo devorado ...Os peixes ,claro !
Senti meu estômago revirar, a água havia se tornado nojenta, só queria ficar longe . Mas não conseguia mover um músculo, os olhos desbotados do cadáver estavam fixos nos meus, era o Júlia,filha do dono da mercearia da minha rua ,estava petrificada  porque conhecia a garota desde criança, e agora observava seu corpo boiando ,usando um vestido branco , parecia uma pintura antiga .