23. Raio de sol

425 48 88
                                    

Quando Seongbuk me parou no meio do jardim da minha casa, o verde do local e a atmosfera simbolicamente mórbida tornaram-se testemunha do meu momento de epifania.

Era um pouco equivocado pontuar daquele jeito, porque eu sempre esperei pelo momento em que, eventualmente, as coisas começariam a dar errado. Jaebeom gostava demais de mim para que aquele sentimento passasse despercebido por uma alma tão infeliz e desgostosa como a do meu pai. Acostumamos-nos a brilhar e seu olhar era ladeado por escuridão, desacostumado com qualquer coisa que beirasse a satisfação alheia. Todavia, quando eu estava preso pelas amarras que os portões da minha própria casa significavam, perceber aquilo era como uma corrente de água no meio das montanhas; límpida e com altas probabilidades de ser seguida por uma queda forte.

Dentro do meu carro, quando abrir as janelas não anulava a dificuldade que sentia em levar ar para os meus pulmões, minha única saída foi dirigir. Entre um círculo e outro, essa válvula de escape foi substituída por um pedaço de papel, antigamente guardado de maneira ocasional dentro do porta-luvas, e por uma caneta, que durante a estadia da folha no compartimento, a fez companhia. Agora com os dois lado a lado, cada um ocupando partes de mim, deixei que as lágrimas voltassem a correr livremente pelo meu rosto, almejando que uma hora ou outra, elas chegassem ao seu destino e me livrassem da dor que sentia consumir meu peito.

O papel posto estrategicamente sobre a parte superior das minhas coxas, de modo que a minha mão trêmula segurando a caneta entre os dedos não se equivocasse na quantidade de força colocada sobre a fina camada de papel e rasgasse-o, era banhado por algumas lágrimas. Nenhuma delas, no entanto, era capaz de borrar meus escritos — a fluidez da tinta sobre a madeira modificada me alimentava com uma esperança sutil.

Então, comecei a escrever o que meu coração gritava dentro da minha cabeça.

"Não queria que as coisas fossem assim, mas desde a primeira vez em que olhei para você, eu soube que seríamos tudo, menos fáceis — você me faz tão bem que não seria justo que eu movesse somente um par de pedras de lugar para te ter do meu lado.

Eu tenho certeza do que sinto, Jaebeom.

Mais do que tudo, mais do que antes, mais do que sempre.

E eu sinto tanto, a todo instante.

Você estando perto de mim ou do outro lado da cidade, meus sentimentos correm as ruas irregulares de Mokpo, cruzam todos os semáforos entre nós e chegam até você como se estivéssemos separados por uma parede de ar fina.

Se, por acaso, você não possuir a mesma certeza que eu, trinta dias são o suficiente para você pensar sobre isso. Pensar se eu valho a pena o risco e tudo o que vem depois dele.

Não se preocupe se, no final das contas, você achar que sua vida é aqui. Sei que você disse que casa é onde estamos, mas vivi coisas demais para duvidar da minha própria palavra e não desconfiar que preciso achar meu próprio lar.

Nós dois não somos um só. Você tem seu universo e sua história, e eu preciso ir procurar a minha. Tenho meus sonhos e medos para enfrentar, que, curiosamente, me amedrontam na mesma frequência. Se tenho consciência disso hoje, devo grande parte à você, e todas as coisas que você me mostrou e, principalmente, me fez sentir, usando de sentidos muito além de toques.

Estou fazendo isso por mim, e se você me acompanhar, eu sei que vai significar muito.

São quatro semanas. Depois disso, estarei no topo de Mokpo, logo após o solstício de inverno.

Bad decisionsWhere stories live. Discover now