3. Todos são estranhos

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Claro que Hendrik não tinha esquecido nada do tal casamento arranjado. Por isso Meike recebeu uma série de e-mails irritantes nos próximos dias com os possíveis candidatos para seus encontros. E não importava o quanto ligasse para o irmão para retrucar, ou quanto retornava de e-mails, era só ignorada. Até ligou para os pais, mas o casal de médicos que estava a trabalho de uma ONG na África do Sul só disse que a ideia de Hendrik era excelente e que ela deveria seguir as instruções do irmão.

Aquilo rendeu algumas longas reclamações de Meike para a sua mais nova conhecida, Anya Sinclair, que ficou no hospital ainda por dois dias por conta do acidente, dos procedimentos legais e policiais e de seguro. Até tinha parado para pesquisar sobre a mulher ao chegar em casa – para se certificar que ela não era maluca – e acabou descobrindo várias informações sobre a bailarina, inclusive alguns vídeos muito bonitos de coreografias de companhias de balé russas que Meike desconhecia completamente.

– Aquelas apresentações são tão bonitas! Nem acredito que você consegue fazer tudo aquilo! – Meike comentou empolgada, ao visitar Anya no seu horário de almoço naquela sexta-feira. – Há quanto tempo você tá no balé?!

– Eu danço desde que eu me entendo por gente. – Anya respondeu, o almoço do hospital estava sobre sua cama numa bandeja, agora que ela estava consciente, o sotaque russo parecia até mais suave. – Mas foi difícil conseguir lugar no balé nacional, eu cheguei a fazer um intercâmbio aqui nos EUA em busca de mais oportunidades, depois de um ano, consegui uma oportunidade no meu país natal. O esforço valeu mesmo à pena, no fim das contas.

– Ahhh! Por isso seu inglês é tão bom! Você morou um tempo aqui.

Sim, com meus avós também, e morei aqui com meus pais quando era muito nova antes de me mudar oficialmente para a Rússia.

– Isso parece tão legal. Meus pais vivem viajando pelo mundo, mas eu saí poucas vezes do país. Acho que seria interessante morar um tempo em outro lugar. Já pensei em seguir carreira acadêmica e fazer pesquisas na indústria farmacêutica lá na Europa.

– Verdade, você disse que trabalhava com remédios? Desculpe, eu não ia imaginar que mexe com essas coisas. – Anya deu uma risada breve diante da aparência da loira que mais se assemelhava a uma adolescente do que uma adulta trabalhadora.

– Eu deveria ficar ofendida, mas não posso nem mentir que isso acontece com frequência. – ela suspirou longamente, ajustando o óculos no rosto. – Mas você já resolveu o que vai fazer quando sair daqui? Falou com a polícia?

– Eu tenho alta hoje à tarde. Estou com uma reserva num hotel perto do centro enquanto não arrumo um lugar para alugar. Como vou passar alguns meses no país, ainda vou descobrir como vão ser os ensaios e temporadas na companhia de balé antes de decidir onde me instalar. – respondeu Anya, deixando metade do almoço de lado para comer só a sobremesa que devia ter um pouco mais de gosto.

– Ahh... – Meike ajustou os óculos de grau de novo. – E você vai ficar bem no hotel com a perna assim? Não devia ter alguém te acompanhando? E seus avós?

– Eu vou ficar bem. Não vou dar trabalho aos meus avós também, então eu me viro. – ela deu de ombros, interessada no doce.

– Por que você não fica no meu apartamento então?! – a sugestão de Meike veio com uma empolgação contida, que fez com que Anya arqueasse as sobrancelhas para a mulher que mais parecia uma menina.

– O quê?

– No meu apartamento! É grande, tem elevador e tem um quarto vago, você pode ficar lá enquanto não acha um lugar!

– Você enlouqueceu, menina? – Anya riu com o ímpeto.

– Quê?! Por quê?! É uma boa ideia! E eu até vou ter companhia melhor do que o meu irmão desnaturado que nunca aparece na minha casa.

Um Chamado do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora