Capítulo 10

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  Continuamos no saguão por mais tempo, sem nenhuma informação do que fazer ou o que seria feito conosco. Pelas frestas das portas e janelas, dava para ver que a luz do sol ficava cada vez mais fraca. Já estava anoitecendo e não tínhamos nenhum sinal de se seríamos libertados. Algumas pessoas se aconchegavam no chão mesmo e dormiam. Comecei a ficar com fome.


  Uma hora depois da primeira conversa com a polícia, o delegado chamou novamente pelo alto falante, fazendo algumas pessoas saltarem de susto:
-Seu tempo acabou. Libere os reféns ou entraremos.

  Luke correu até a mochila, ligou seu aparelho e respondeu:
-Não, pelo menos por enquanto. Não sem uma garantia.
-O que você quer?- o tom de voz de Alexandre mostrava que ele já estava preocupado demais.
-Queremos os lucros do museu.
-Como é?
-Tudo que o museu conseguiu de lucros com vendas e tudo mais. Você é delegado, sabe como essa contagem de dinheiro funciona. Queremos tudo que o museu arrecadou de lucros nos últimos 8 meses.
-Isso é impossível, como você acha que eu conseguiria isso?
-Sabemos que todos os lucros são anotados em planilhas do governo, juntamente com os lucros de outros lugares culturais. Você, a polícia ou o governo, quem quer que seja deve conseguir esse número e entregar a quantia em dinheiro, dentro de bolsas. Pode deixar aqui na frente quando conseguir. Assim que entregar o dinheiro, nós soltaremos os civis. Enquanto isso, eles podem ficar hospedados conosco.

-Isso é um absurdo. Você está falando de mais de 10 milhões de dólares.
-Eu sei. Sabe o que também é um absurdo? O fato do senhor ainda estar parado aí morrendo de nervoso, enquanto 118 reféns estão com sono, frio e fome, desesperados para ir para casa. Você tem 72 horas para nos entregar nosso pedido. Boa noite.
  Luke desligou o alto falante e Alexandre não falou mais nada. Meu queixo caiu. Reféns soltaram exclamações. Os assaltantes começaram a rir da situação. Naquele momento, o saguão parecia um manicômio. Mais de 10 milhões de dólares? Então quer dizer que nós, reféns, ainda vamos ficar aqui por mais umas 72 horas esperando a polícia agir? Se eu estava com medo antes, nem sei o que eu sentia agora. Estava horrorizada.

  Num piscar de olhos, o cenário monótono do saguão mudou completamente. Finn foi até o meio da multidão e mandou todos se levantarem. Obedecemos. Ele começou a gritar uma porção de ordens para o resto da gangue, e todos os assaltantes começaram a perambular de um lado para o outro do museu. Desciam até o estacionamento e voltavam com bolsas. "Será que os criminosos tem algum tipo de compartimento com tudo que precisavam lá no estacionamento?" Falei para mim mesma. Então, comecei a entender a situação: enquanto esperamos a polícia, precisamos nos acomodar. Ou melhor, a gangue precisa acomodar a porção de gente que estavam mantendo refém. Os assaltantes traziam sacos de dormir e distribuiam para os civis. Depois que cada um pegava o seu, começava a procurar um canto no enorme saguão para dormir. Finn perguntou quem eram os responsáveis pela lanchonete que tinha do lado do saguão. Dois homens e uma mulher se levantaram. Finn ordenou que eles preparassem qualquer coisa para os reféns comerem. Os três correram assustados até lá e começaram fritar bifes e ligar as máquinas de refrigerante. O resto dos reféns correu até lá para comer alguma coisa, todos estávamos morrendo de fome. Um dos assaltantes estava responsável por acompanhar as pessoas que queriam ir até o banheiro. Ninguém tinha permissão para ir a qualquer lugar sozinho, e, bem, diante de armas, nenhum de nós se opôs.

  Após umas duas horas, todos já haviam comido alguma coisa e estávamos praticamente "prontos para ir dormir". O grupo de assaltantes que formava o círculo em volta dos reféns tinha diminuído. Agora era só uns 10. Os outros, bem, não sei todos, mas alguns tinham se espalhado pelo resto do museu, outros carregavam caixas enormes do estacionamento até outra sala. Não sei o que estão fazendo ou planejando.
  Então, alguns minutos depois de todos terem retornado do banheiro e quase todos já terem se deitado, o caos começou. Ouvimos tiros, todos nos levantamos e começamos a gritar. Mas dessa vez, o tiroteio não vinha de dentro do museu, e sim de fora. Era a polícia. Eles estavam tentando entrar.

  Me levantei num único salto. Os assaltantes correram até a frente dos reféns, formando a barreira novamente. Outros assaltantes traziam novas armas. Olhei para aquelas coisas que eles posicionaram mirando para a porta. Eram metralhadoras. Eles iam acabar com a polícia.

  Eu estava certa. Eles começaram a revidar os tiros com as novas armas e a polícia diminuiu os tiros. O tiroteio agoniante durou uns 10 minutos, e quando finalmente parou, eu corri pelo saguão analisando cada pessoa. Precisávamos ver se alguém tinha se machucado ou sido baleado. Quando as pessoas entenderam o que eu estava fazendo, fizeram o mesmo. Quando os criminosos olharam para os reféns, estávamos correndo de um lado para o outro conferindo o estado de cada um.

  Foi aí que eu achei uma garotinha, de uns 10 anos, caída no chão, baleada no braço direito. Não era grave, por sorte, mas ela chorava de dor. Comecei a gritar por ajuda e uma mulher apareceu do meu lado, chorando também, dizendo ser a mãe dela. A mãe estava em estado de pânico. Um homem carregou a menina até um sofá que tinha encostado na parede.
  Enquanto eles se amontoavam em volta da criança, voltei a procurar mais feridos pelo saguão. Um dos criminosos tinha sido baleado na perna e estava jogado no chão, ao lado de outro colega que estava o ajudando. Tirando essas duas pessoas baleadas, o resto de nós estava bem. Todos estávamos desesperados. Os assaltantes trouxeram bolsas de prontos socorros de uma das mochilas que tinham e começaram a ajudar tanto o outro ladrão quanto a criança.

  Quando colocaram os dois em macas um do lado do outro para atenderem ao mesmo tempo, os reféns ficaram só olhando. A criança chorava, mas era só costurar a ferida e ela ficaria bem. O criminoso baleado não tirou a máscara, mas eu o reconheci mesmo assim: Luke. Ele tinha sido baleado na coxa esquerda, e a gangue tentava estancar o sangue e diziam que era só costurar. Mas, pela primeira vez, os conteúdos que eu aprendi nas aulas de biologia da senhora July foram importantes. Então eu gritei da multidão:
-Ele foi baleado na região de uma veia importante. Precisam tirar a bala, ou ele pode morrer!

  Todos se viraram para mim.
-É sério- eu murmurei.
-A enfermaria fica no segundo andar, ao lado da sala dos fósseis. Rápido!- Finn gritou. Me espantei com o fato dele ter apoiado minha fala estapafúrdia no meio dessa confusão.

  Dois assaltantes terminaram de cuidar da ferida da garota enquanto uns 6 carregaram Luke até a enfermaria tão rápido que parecia que estavam voando. A garota logo ficou bem, apesar de ainda reclamar de dor.
  De repente, Nove (aquele que tinha ficado encarregado de me monitorar) me chamou:
-Vá até a enfermaria. O chefe quer conversar com você.
-De novo?
-Parece que sim. Vá logo.

  Subi as escadas e corri até a porta da enfermaria, bati e logo mais um dos mascarados abriu. Ele saiu de me puxou para um canto e tirou a máscara. Finn.
-Por que falou aquilo?
-Por que ele ia morrer?!
-Sim, aliás, obrigado, apesar de eu ter certeza que nós logo íamos perceber. Viemos preparados para situações assim. Mas por que você falou aquilo?
-Foi automático! Quando eu me dei conta do risco, tive que avisar. E nem tente me convencer de que o que eu fiz foi desnecessário, era óbvio que vocês não tinham percebido, todo mundo viu! Vocês iam apenas costurar achando que não era nada grave.

-Se você pensa que fingir nos ajudar vai fazer nós desistirmos de nos livrar de você...
-Não Finn, não é isso que eu penso.- interrompi a frase dele- Eu não sei o que você pensa, mas tenho certeza do que eu estou pensando! Foi totalmente automático, eu só quis salvar a vida dele, não fiquei imaginando quem era o vilão e o mocinho da situação! Eu sei que você quer me matar, então vai, aproveita o momento, já que a polícia acabou de tentar entrar! Não era essa a desculpa que você queria?- por algum motivo que eu ainda não sei, eu estava fervendo de raiva.

  Finn me olhou no fundo dos olhos, surpreso com minha coragem repentina, abaixou os olhos e olhou para a arma, depois voltou para mim. Ele mordeu de leve os lábios e riu baixinho, ainda com os olhos fixos nos meus. Eu não entendi o motivo dele estar achando graça da situação, na verdade, estava extremamente arrependida depois de ter dito para ele que esse era o momento perfeito para me matar. Ele olhou para os corredores, se certificando de que estávamos sozinhos, e então disse:
-Ainda não. Acho que vai ser interessante ter você aqui. Aliás, Luke está bem, para sua informação. Agora vá, suponho que esteja com sono. Conversamos amanhã.

  Ele deu meia volta e retornou para a enfermaria. Caminhei devagar pelo corredor e desci as escadas ainda pasma com a resposta dele. É claro, eu estou transbordando de alívio por ele não ter feito nada, mas a reação dele foi estranha. Esperava que ele me odiasse, mas na verdade ele parecia tranquilo demais com a minha presença. Queria saber o que ele estava pensando.

A refém (Finn Wolfhard)Onde histórias criam vida. Descubra agora