Capítulo Nove

218 32 20
                                    

O medo parecia algo distante enquanto eu me aproximava da porta. As fortes batidas do meu coração cobriam completamente o som dos meus passos. Me agachei equilibrando a bandeja em um dos meus braços enquanto pego o cadeado com a mão livre, o corpo gélido do objeto de alumínio atravessando minha pele. Com calma arrumei as tranças de ferro em volta dos puxadores das portas e passei o gancho do cadeado por dentro de duas aberturas, ligando as duas pontas uma à outra, mas hesitei antes de fechar o cadeado.

O que havia dentro daquele cômodo?

Mordi o lábio inferior com força, reprimindo os pensamentos que rondavam o conteúdo daquele lugar secreto. O servo estava nervoso por uma razão, talvez ele soubesse por que essa porta deveria ficar trancada, mas...

O que ele estava fazendo ali? Por que e quem o havia machucado daquela forma? O arquiduque sabia?

As perguntas sem respostas rondavam minha mente como abelhas em volta da colmeia, e um grito interno me dizia que eu encontraria todas as respostas se apenas me desfizesse daquelas correntes e entrasse naquele cômodo. Comecei a puxar o gancho do cadeado para fora das tranças, mas uma mão pousou acima da minha me instigando a colocar força no cadeado, fechando-o junto com o cômodo.

— Eu avisei mais de uma vez que a curiosidade é uma característica perigosa para quem vive nesse palácio, Mabel — eu pude ouvir o sorriso na sua voz. — Principalmente para você.

A bandeja com a comida cedeu dos meus braços ao mesmo tempo que minhas pernas, o barulho dos objetos despejando no chão soou longe aos meus ouvidos quando o braço do arquiduque rodeou minha cintura, impedindo que eu tivesse o mesmo fim. Meu rosto estava colado em seu peito, com as batidas frenéticas do seu coração no alcance dos meus ouvidos. Senti quando ele afastou os fios do meu cabelo e desceu sua boca para a base da minha orelha, seu hálito fresco lançando-me calafrios por toda a extensão do meu pescoço.

— Entenda Mabel, algumas portas devem ficar fechadas para o bem comum — ele disse com a voz baixa e rouca, ainda me mantendo presa em seu meio abraço. — Não quero vê-la perto dessa porta novamente, entendido?

— Sim, senhor — ele me soltou.

— Limpe isso — foi a única coisa que disse antes de se virar e entrar para o seu escritório.

Só notei que prendia a respiração quando a porta do seu escritório bateu audivelmente e uma lufada de ar escapou dos meus lábios. Me agachei e cuidadosamente comecei a recolher os cacos de vidro da xícara e dos pratos quebrados. Suspirei profundamente, talvez eu devesse ter ouvido a Cecília e permanecido no quarto...

¨¨

Uma semana inteira passou e somente então os criados retornaram as suas obrigações costumeiras, durante esse período eu fiquei incumbida de levar as refeições para o arquiduque todos os dias. Um trabalho extremamente incômodo se levar em conta os acontecimentos anteriores, mas Ambrose apenas se limitava em acenar e logo me dispensava, voltando a se concentrar no projeto da biblioteca pública.

E assim os dias voaram diante dos meus olhos.

A volta dos empregados trouxe uma normalidade assustadora para o Palácio Negro. Eles não me perseguiam como antes, mas também não se aproximavam, mantendo um contato estritamente necessário. Não voltei a me encontrar com o criado do rosto machucado, mas também não o procurei esperando que seus ferimentos estejam sendo devidamente tratados.

Ainda era cedo quando eu me levantei, à noite fora mal dormida com os uivos e gritos incessantes das bestas preenchendo o quarto. Desde o incidente no corredor, eu estava mais consciente dos habitantes da floresta Osíris que espreitavam a muralha, e poderia até jurar que as feras estavam mais barulhentas do que de costume. Então cansada de continuar brigando com o sono, resolvi levantar da cama e adiantar algumas tarefas, como o concerto de um dos sapatos da senhorita Cecília, que estavam com as solas descolando.

Persona - A Maldição de AmbroseWhere stories live. Discover now