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Caminho até a pequena janela e apoio meus braços na mesma, olho para baixo observando cada detalhe da movimentada Avenida Paulista

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Caminho até a pequena janela e apoio meus braços na mesma, olho para baixo observando cada detalhe da movimentada Avenida Paulista. Na frente do meu prédio há uma padaria, pessoas entram e saem do local ignorando o morador de rua esticado na calçada buscando acalento do tenebroso sol paulista, as pessoas vem e vão em passos rápidos parecendo estar em uma corrida involuntária quanto tempo enquanto as buzinas dos carros se fazem presente produzindo uma poluição sonora da qual já me acostumei.

Volto para a íntima escuridão da kitnet na qual vivo a cinco anos onde a única claridade vem da fatídica janela da qual acabara de sair.
Minhas coisas estão espalhadas, um pouco das roupas já ajustadas na mala, acessórios e pequenos objetos ainda soltos pelo quarto enquanto tento arquitetar em qual lugar encaixa-los.

Enquanto ainda organizo tudo sem qualquer pressa uma caixa lilás aparece no meu campo de visão. Tento ignora-la, mas as teias de aranha e a poeira que ofuscam a intensidade da cor mostram por quantos anos retardei a abrir outra vez. Pego a caixa e a coloco em meu colo, bato de leve com a mão na superfície da mesma na tentativa falha de amenizar a situação na qual ela se encontra, de forma gradativa começo a retirar a tampa que ali está e quando vejo seu conteúdo meu coração se comprime dentro do meu peito.

Desvio o olhar de forma involuntária, meu inconsciente parece querer se proteger das memórias guardadas ali, mas acho que chegou a hora. Preciso encarar as memórias que tentei me livrar durante sete anos, memórias estas que um dia me maltrataram, mas hoje sou uma mulher adulta e já as superei, olhar para elas será apenas a comprovação de que eu consegui me desfazer do que antes machucava meu coração adolescente e insano.

Forço-me a voltar meu olhar e encarar as fotos que estão ali. Fotografias minhas junto do meu padrinho aparecem no meu campo de visão, respiro fundo antes de pegar a primeira foto, nela eu tinha aproximadamente sete anos e estávamos em uma montanha russa, rio da minha expressão desesperada enquanto ele me envolve em seus braços protegendo-me do medo que senti naquele momento. Consigo ouvir as palavras de acalento que ele me disse ali:
" — Calma Madah, eu estou aqui e estou protegendo você".

Em outra foto era meu aniversário de onze anos, estou em cima da uma cadeira e ele está ao meu lado com um sorriso largo. Viro a fotografia e o recado que a Madalena de onze anos deixou ali com uma caneta rosa me faz sorrir.
"Tenho o melhor padrinho do mundooo!!"

Amei Paco desde os meus primeiros dias e sei que ele me amou desesperadamente enquanto eu ainda estava na barriga da minha mãe, crescer tendo ele como padrinho foi a melhor coisa que poderia ter acontecido na minha vida. Em todas as lembranças felizes da minha infância ele está presente, em todos os passeios incríveis ele estava lá, as melhores bonecas foi ele quem me deu e os melhores vestidos também.
Meu padrinho me conhecia como ninguém, sabia milimetricamente meus gostos e sempre se empenhava em me agradar.

Mas um dia todo amor que eu sentia por ele transbordou e se transformou, não conseguia vê-lo mais como um segundo pai, conseguia enxerga-lo como o melhor homem que já conheci e consequentemente o único que um dia me faria feliz.
Meu coração começou a bater mais forte com sua presença, borboletas inundavam meu interior e seu cheiro amadeirado se tornou o melhor perfume de todos para mim. Então meu padrinho começou a aparecer em meus sonhos, em alguns estávamos nos casando, em outro fazendo piquenique em um jardim repleto de girassóis, nos meus sonhos eu era livre para ama-lo como homem e era inteiramente recíproco seu amor em mim enquanto uma mulher.

INEFABLEWhere stories live. Discover now