Capítulo 10 - Um pouco geniosa

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A enfermeira demorou uma eternidade para nos chamar pra ver a Liz. Eu estava louco para vê-la. Entramos no quarto e ela permanecia dormindo cheia de fios. Como Teresa disse, estavam monitorando o oxigênio até seu cérebro e isso me doía demais. Estefânia se aproximou dela e deu um beijo na sua testa.

- Não posso acreditar que isso aconteceu. Liz quase nunca veio pra hospital e agora...

- Gustavo, para de pensar assim. Pensa que agora ela vai se recuperar.

- Não quero ver minha filha assim, Estefânia. Quero vê-la acordada e brincando como antes.

- E ela vai! Tenha fé! Se quiser, eu passo a noite com ela.

- Não. Eu vou ficar. Quero estar aqui com ela.

- Vamos revezar, Gustavo. Por que você não vai pra casa, toma um banho, traz umas coisas pra você e pra ela e depois volta à noite?

- Não sei... - Olhei para minha filha adormecida.

- Você ouviu o que a doutora falou. Ela não vai acordar agora. Descanse um pouco, eu estarei aqui e qualquer coisa ligo pra você.

Pensei seriamente no que ela disse. Seria uma maratona de dias no hospital e sabia que não ia dormir direito a noite.

- Está bem. Me ligue pra qualquer coisa.

Estefânia acenou e eu dei um beijo no cabelo da minha filha e depois na cabeça dela. Já era a tarde e eu andei pelos corredores na esperança de ver a Teresa. Me demorei um pouco por ali pra ver se ela aparecia, mas nada. Talvez estivesse atendendo outros pacientes.

Fui pra casa e quando cheguei, atualizei Silvestre do que tinha acontecido com Liz. Victor tinha me ligado pra perguntar como estava Liz e eu contei que Estefânia tinha ficado com ela até eu voltar.

- Senhor Gustavo?

- Sim, Silvestre? - Estava ajeitando algumas coisas da Liz para levar até o hospital.

- Uma moça, Verônica, ligou mais cedo perguntando pelo senhor e pela menina. Ela queria saber como estava.

- Certo, Silvestre, obrigado. Se ela ligar novamente, diga que depois eu ligo, ok? - Silvestre acenou.

- Com licença, senhor.

Sabia que Verônica tinha ficado chateada pela forma como tinha falado com ela, mas eu estava no ápice do desespero. Precisava me desculpar. Não agora. Eu ainda estava chateado com o que tinha acontecido. Chateado comigo.

Voltei pro meu quarto e também arrumei uma pequena bolsa pra passar a noite no hospital. Tomei um banho e me deitei na cama pensativo com a intenção de descansar, mas rolei na cama o tempo inteiro sem um pingo de sono. Resolvi levantar e voltar pro hospital. Queria ficar o tempo todo com Liz, sem perder um minuto perto dela e vê-la acordar. Comi algo rápido que tinha na cozinha antes de ir.

- Silvestre, estou voltando pro hospital e vou passar a noite lá. Qualquer coisa, ligue pra Estefânia.

- Sim, senhor. Eu espero que a menina se recupere logo e volte para casa.

- Eu também, Silvestre.

Cheguei ao hospital no início da noite e, mais uma vez, passeei pelos corredores com a esperança de ver Teresa. Mais uma vez, nada.

- Que mulher difícil. - Disse para mim mesmo.

Entrei no quarto de Liz e Estefânia estava no celular.

- Oi, prima. Alguma novidade?

- Não. A doutora Teresa veio aqui e disse que ela estava indo bem.

- Que horas ela veio? - Perguntei um pouco eufórico demais. Estefânia me olhou de lado.

- Faz meia hora, talvez. Ela disse que ia para casa, mas amanhã cedo estava aqui.

Fiquei decepcionado. Achei que poderia vê-la durante a noite, mas tudo bem. Estefânia foi embora quando falaram que o horário de visita tinha acabado e só podia ficar um pra dormir com Liz. Passei quase a noite em claro, acordando sempre que enfermeiras vinham ver a minha filha, que permanecia dormindo. Estava ficando angustiado, mas elas me diziam que estava indo bem. Que quando a médica chegasse, ia avaliar a noite da Liz e talvez tirá-la desse "coma induzido".

Vi o sol nascer pelas frestas das cortinas do quarto e minha barriga roncou. Fiz minha higiene e logo uma enfermeira apareceu novamente para olhar a Liz.

- Você sabe dizer se a lanchonete já abriu? - Perguntei a ela.

- Sim, ela é 24hrs. Fica no térreo. Pode ir, senhor. Nós vamos ficar de olho na pequena.

- Obrigado. Eu não demoro. - Ela acenou e eu dei um beijo na cabeça de Liz.

Segui para o térreo querendo tomar uma xícara de café pra acordar. Pedi um croissant e me sentei numa mesa mais afastada. A lanchonete ainda estava com pouco movimento, então pude relaxar um pouco apreciando a vista das janelas de vidro que dava para um pátio arborizado. Não entendi o conceito, mas talvez seja esse mesmo: dissipar um pouco da tensão que o ambiente gerava ao observar a natureza.

- Teresa, como vai?

Ouvi a voz de um homem e levantei a cabeça pra ver de onde vinha e a quem ele estava chamando. Imediatamente a vi se aproximar dele, que também era médico. Em suas mãos estavam um suco verde e sério? Suco verde? Devia ser dessas que faziam sempre dieta e não comiam nada que não fosse saudável. Observei a interação dos dois por um momento, mas comecei a prestar atenção na Teresa. Ela não estava de jaleco, tinha um vestido um pouco acima do joelho com saltos que me pareceram desconfortáveis, mas ela já devia estar acostumada a andar neles. Seu cabelo ondulado estava um pouco desgrenhado, como se ela passasse bastante a mão nele e talvez fosse seu jeito de ser. Era diferente de outras médicas que tinham tudo perfeitamente no lugar. Minha mão coçou querendo saber se o cabelo era tão macio como aparentava ser.

Percebi que a conversa estava sendo um pouco tediosa para Teresa quando ela começou a se mexer entre um pé e outro e a varrer os olhos pelo lugar até que eles pousaram em mim. Seu olhar passou e voltou reconhecendo que eu estava ali. Nos encaramos por questões de segundos e ela voltou a dar atenção ao médico que não parava de falar, dispensando-o logo em seguida. Teresa veio em minha direção com seu suco verde e parou bem a minha frente.

- Bom dia, Gustavo. Como vai? Já soube que a Liz passou a noite como esperado.

Admirei seus olhos que hoje pareciam duas bolas de gude brilhantes. Daquelas raras que quando colocávamos contra a luz, mudavam de cor. Hoje, a cor deles eram cor de mel quase verdes.

- Bom dia, doutora. Um pouco cansado da noite mal dormida, mas bem. Quer sentar? - Apontei para a cadeira a minha frente.

- Você não vai derrubar café de novo em mim, não é? Porque dessa vez eu não vou negar o custo da lavadeira. - Ela sentou a minha frente e eu sorri.

- Dessa vez o café já acabou. - Mostrei minha xícara vazia. - A conversa com o médico estava interessante?

Teresa revisou os olhos e bufou.

- É impressionante como os médicos mais velhos aqui se acham os deuses da medicina e sentem a necessidade de ficar constantemente falando sobre seus feitos durante sua carreira. Se eu estiver interessada em saber, eu pergunto.

Sorri da sua impaciência. A mulher era realmente um pouco geniosa.

- Eu não imaginaria nunca que você fosse médica. - Disse sincero.

- Por quê?

- Não sei, em nenhum momento me passou pela cabeça. - Dei de ombros. - Mas agora eu estou tranquilo por saber que você é a médica da minha filha.

- Você nem me conhece!

     Não, eu não a conhecia... Ainda.

Amor para Recomeçar [PAUSADA]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora