Capítulo 14 - eu sou a sua insegurança

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Hoseok

30 de maio, 8:30, Hoseok vai sair para correr.

Está nublado, mas as pessoas estão nas ruas, atarefadas e preocupadas com seus próprios problemas. Faço a rota costumeira, parando na loja de conveniência para comprar uma garrafinha d'água e cumprimentar o dono do local, que exclama o habitual "ei, Hoseok-ssi, quanto tempo!", enquanto faz a cobrança no cartão. Corro por mais vinte minutos, parando a alguns quarteirões de casa, bebendo o restante da água e descartando a garrafinha numa lixeira.

E então acontece. Tenho de me escorar em uma parede e buscar rapidamente por um apoio, segurando na barra da lixeira para evitar uma queda. Ouço vozes se aproximando e noto que há pessoas me ajudando, questionando se me sinto bem ou se foi minha pressão que caiu, mas sei que é um flashback porque o toque dessas mãos alheias me dá muito medo.

Alguém traz uma cadeira e me sento, apertando os olhos com força para tentar conter a vontade que tenho de gritar para que se afastem e não me toquem. Com isso também evito ter de olhar para essas pessoas, sabendo que verei o rosto de Amargo Kim em suas faces, porque é sempre assim que acontece.

Respiro fundo e agradeço pela ajuda, de forma que as pessoas começam a se dispersar e tenho a impressão de que apenas duas delas continuam amparando-me, enquanto me obrigo a ficar calmo.

O que vem a seguir é muito estranho, porque quando abro os olhos estou sentado em um banco, numa praça nos arredores de casa. Não há ninguém perto de mim, apenas alguns adolescentes em uma das lanchonetes pequenas do entorno. Tiro o celular do bolso para checar as horas e são quase dez da manhã.

A única explicação para este blackout é a de que outra personalidade tomou meu lugar depois que tive o flashback e agora voltei para o corpo, ainda atordoado, mas sem sentir-me aterrorizado como antes.

Fazia tempo que não trocávamos estando fora de casa. Tento buscar algum sinal que me ajude a reconhecer quem esteve no comando nesse intervalo, mas não há nada, então decido retornar antes que isso volte a acontecer. Caminho por mais quinze minutos até entrar em nossa rua, a fachada da casa já em meu campo de visão mas, repentinamente, sou atacado por uma dor de cabeça terrível.

Desperto sobre o sofá, imediatamente checando o horário no celular que está sobre a mesa de centro: onze horas. Sobre meu colo está o caderno e a caneta, mas não há nenhuma anotação nova. Apresso-me em escrever, tentando explicar o que está acontecendo, marcando que já tive dois apagões e que algo me diz que não irá demorar a acontecer novamente. Quando termino, respiro fundo e caminho até a cozinha, deixando o caderno sobre a mesa, onde ele costumeiramente fica. Puxo a cadeira e me sento, raciocinando sobre o que pode estar provocando essa troca frequente. Penso em folhear as anotações, mas não quero correr o risco de meu recado ficar perdido caso eu troque com outra alma de repente.

Lembro-me de quando isso aconteceu depois que Amargo Kim foi embora: houve semanas em que não podíamos nos concentrar em nada por estarmos trocando de maneira frenética. Seria simples se a dominância não viesse acompanhada de dores de cabeça intensas, ânsia e um medo incomum.

Na época, colocamos a culpa em toda a mudança que estávamos sofrendo em nossa vida: de certa forma, tudo era parte de um recomeço, por isso a confusão parecia inevitável. Havia uma personalidade nova, havia um vazio e uma paz que nunca tínhamos experimentado antes.

Mas também havia dor e lembranças ruins que continuaram a se engalfinhar dentro de nossos traumas.

Olho para o visor do celular e ele está marcando onze e meia. Meu estômago ronca, mas não tenho coragem de me levantar porque algo dentro de mim quer ter certeza de que continuarei acordado.

All The Demons Of My Soul | ChangHyukDonde viven las historias. Descúbrelo ahora