Capítulo 15 - eu sou capaz de tudo

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Alerta de gatilho: ingestão de medicamentos.


Kihyun

Desde aquele dia, tento moldar minha vida da melhor forma. Por muito tempo eu me esforcei para esquecer-me de todas as situações ruins que tive de criar no intuito de sair ileso, de fazer a dor parar e o sofrimento ser apenas uma marca incômoda, mas suportável. Mas elas retornam de forma infalível à memória, mesmo depois de cobri-las com camadas e mais camadas de tinta, de trancafiá-las em dezenas de cofres, pedaço por pedaço, e jogar todas as chaves fora.

É como querer camuflar uma infiltração que sempre dará seu jeito de reaparecer - e a única maneira de acabar com ela é cortando o mal pela raiz.

Agora está fresca a lembrança dos meus primeiros dias: o apartamento pequeno e com pouca iluminação, a baderna de roupas e louça e lixo. Coloquei-me a limpar tudo e dar ordem ao caos, porque aquele também seria o meu lar. Havia fotos com Amargo Kim e seu sorriso farsante, momentos retratados como se fossem de plena alegria quando, na verdade, escondiam um relacionamento abusivo. Joguei tudo fora, tendo certeza de que os outros não me culpariam por isso - e eles não o fizeram, dando-me a confiança de que eu estava agindo de forma correta.

Não sei bem em que ponto eu fui criado, mas havia coordenadas no caderno que usávamos, ditando as tarefas importantes, às quais tentei seguir à risca. Saíamos três dias da semana para ir até a editora entregar os trabalhos concluídos e trazer serviços novos para casa e era evidente que o pessoal da empresa conhecia o meu caso. Todos me trataram sempre como Minhyuk, talvez criando a ferida inicial em meu ego, que reclamava em silêncio sempre que via o nome dele estampado nas obras logo abaixo do título de revisor.

Não havia ninguém para dizer o meu nome em voz alta. Kihyun. Parecia ridículo repeti-lo na frente do espelho como se eu estivesse treinando um cachorro, mas eu o fazia, no apartamento vazio e silencioso, antes de voltar ao limbo e esperar até que pudesse retornar à superfície mais uma vez.

Era solitário demais. Era inconveniente também, porque eu sentia como se todos estivessem fugindo de quem eu era. À quantos Amargo Kim contou sobre nosso problema? À quantos ele disse que seu namorado era maluco e que só estava conosco por pena? Os vizinhos claramente sabiam, afinal, as paredes com ouvidos certamente escutaram muito da violência naquele apartamento. Embora eu não tenha presenciado ou ouvido nada, era muito claro como as coisas haviam funcionado antes de eu nascer.

Os hematomas me diziam tudo. Por várias vezes despertei molhado, sem saber por que estava deitado dentro do box do banheiro. Limpava tudo e procurava por roupas secas, espremendo meus olhos porque aquela merda fazia meu corpo ficar dolorido. Eu não sabia qual das demais almas estava fazendo aquilo e só pude descobrir depois de uma das consultas com Jihyun, na qual fingi trocar com Hyungwon a fim de colher informações mais precisas.

Ele tinha essa compulsão por banhos, não por prazer, mas porque encontrava nisso um escape, uma forma de mentir para si mesmo impondo a norma de que precisava limpar toda a sujeira de seu corpo, às vezes esfregando-o até machucar a pele. Fazia isso várias vezes por semana, apenas ele, e Jihyun tinha muito medo de que ele pudesse ir mais longe.

Senti-me vazio depois disso, afinal, Hyungwon estava ferindo nosso corpo e eu deveria ter vontade de pará-lo, mas não tinha. Queria que ele continuasse, compreendia seu sentimento enquanto encarava a minha solidão física, sentado na cama com apenas a luz do corredor acesa, o barulho da geladeira e os sons da cidade entrando pela janela.

Havia um mundo inteiro lá fora, havia pessoas sorrindo e se amando, e havia eu, preso num casco dividido com mais almas, fadado a ser visto como louco, a ser chamado de Minhyuk pelo resto da vida, a sobreviver com dor nos braços e na mente.

All The Demons Of My Soul | ChangHyukOnde histórias criam vida. Descubra agora