Capítulo 09

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Meus olhos reclamam por estarem abertos assim que coloco aperto o botão número 14 no elevador para ter acesso ao meu apartamento. Fico olhando o meu reflexo e vejo o quanto o meu cabelo estava bagunçado e faço careta ao ver que Cheryl teve o desprazer de me ver nesse estado.

Quando chego em meu apartamento, deixo minha maleta sobre o sofá e passo na cozinha para deixar o bolo na geladeira. O caminho até meu quarto se torna lento por eu ir tirando a roupa que eu usava pelo meio do caminho.

Eu estava exausta!

Perto das 4am quando Cheryl me ligou desesperada, eu tinha deitado para dormir a menos de uma hora. As últimas doze horas eu passei em uma sala de cirurgia junto com a minha colega cardiologista fazendo uma transfusão de coração em um bebê de apenas dois anos. E é claro com um chamado daquele tipo eu me senti na obrigação de voar para a sua casa apenas fazendo uma higienização basica e sem nem ao menos pensar em arrumar meu cabelo.

O lado bom disso tudo é que Hévora não tinha nada grave, tive a chance de conversar mais com a sua mãe, Cheryl. Oh mulher bonita, nunca vi igual. E ainda tive o prazer de experimentar seu bolo de fubá e o café, meu estômago agradeceu já que eu estava morrendo de fome. Ainda por cima, havia conseguido marcar um almoço com ela que eu tinha certeza que demoraria a acontecer.

Quando me jogo na enorme cama no centro do meu quarto, em segundos eu já estava dormindo. Perto das quatro da tarde eu acordo e a primeira coisa que eu faço é checar minhas mensagens, sorrio ao ver uma mensagem de Cheryl e ela é uma das primeiras a qual eu respondo.

Cheryl, mãe Hévora: Boa tarde Toni, espero que esteja bem.

Cheryl, mãe Hévora: a Hévora acordou um pouco enjoadinha e com o nariz obstruído, eu fiz o que você recomendou e agora ela está bem melhor. Obrigada novamente Toni.

Toni Topaz: Boa tarde! Eu realmente fico feliz em saber disso, Cheryl. Como eu havia dito, não era nada para se alarmar, só é necessário ficar de olho para ver se esse resfriado não evolui para algo mais grave.

Toni Topaz: Da um beijo na minha melhor paciente por mim, por favor.

Respondo mais algumas mensagens, e-mails ou dúvidas de mães dos meus pequenos pacientes para só então poder levantar, me vestir, escovar os dentes e sair do quarto vendo tudo em sua perfeita ordem.

- Que dia é hoje... - murmuro indo em direção a cozinha tentando me lembrar se era quinta. Nas quintas e segundas, Dona Lily vinha até o meu apartamento para o limpar.

- Bom dia, dona Toni. - ouço a voz doce da mulher assim que entro na cozinha.

- Oh céus, que susto Dona Lily. - levo minha mão até onde meu coração ficava localizado e ela ri baixinho - Desculpe a bagunça de hoje, eu cheguei do hospital, não dormi nem ao menos duas horas e recebi uma ligação que uma bebê linda estava com febre. - aperto meus lábios e então vou até a geladeira para pegar algo para beber.

- Quer que eu prepare algo para você comer, querida? - para ao meu lado e toca minha lombar.

- Seria muito abuso se eu pedisse. - a olho.

- Não seria abuso de forma alguma! Eu posso fazer algo para você sem problemas. - diz tirando o pano do ombro.

- Você não irá fazer nada, nós vamos sentar ali naquela mesa e comer esse delicioso bolo que eu ganhei essa madrugada. - tiro o recipiente amarelo da geladeira e sorrio - Com esse suco. - puxo a jarra com suco de maracujá de dentro e faço um bico fazendo Dona Lily rir.

- Ganhou esse bolo de quem? - pergunta curiosamente indo pegar uma toalha para pôr na mesa.

- Da Cheryl, ela é mãe da Ellen, a bebê que estava febril. - comento ajudando-a a arrumar a mesa.

- Hm, Cheryl. - murmura e me olha - Vocês estão...

- Céus, Dona Lily! É claro que não. - rio colocando o bolo e o suco sobre a mesa, arrasto uma cadeira, a obrigo a sentar ali e ouço a mulher de cabelos crespos e grisalhos rir.

- É normal nesse seu ramo sempre se envolver com mãe dos seus pacientes? - pergunta se virando na cadeira para poder me olhar já que estava de costas para ela pegando copos.

- A Senhora falando assim parece que eu sempre me envolvo com as mãe dos meus pacientes... Foi só uma vez, tudo bem? - falo rindo e então volto para a mesa colocando dois copos sobre a madeira - Mas até que isso acontece com frequência, no hospital onde eu estou trabalhando não tem nenhum regulamento que proíba isso. - comento me sentando na frente de Lily - Acho que no SUS acontece com menos frequência, aquela época que eu trabalhei nele tinha mais médicos se envolvendo com enfermeiras.

- Que pouca vergonha desse pessoal inteligente. - faz careta e arranca uma risada de mim - Não que eu esteja dizendo que você é sem vergonha, Dona Toni. Longe de mim. - levanta as mãos em sinal de rendição.

- Uh, eu tenho que concordar... É uma pouca vergonha desse pessoal. - falo com cumplicidade com a mulher antes de abrir o recipiente onde o bolo estava - Mas Cheryl e eu vamos almoçar qualquer dia desses.

- Dona Toni?! - me olha surpresa enquanto pegava um dos pedaços de bolo que estavam devidamente cortados - Você é rápida.

- Isso não é ser rápida, estou me oferecendo para a ajudar em algumas coisas com a Hévora. Você acredita que ela dava papinha para a bebê de três meses experimentar?

- Desculpe o meu palavreado mas essa moça é burra. - fala enchendo os dois copos com suco.

- Ela não é burra, Dona Lily. - rio pela entonação da mulher - Ela é apenas uma mãe sem muita experiência.

- Ah mas Dona Toni, todo mundo sabe que bebê não pode comer nada mais a não ser o leite da mãe. - a indignação estava presente em sua voz.

- Algumas pessoas podem não saber. - dou de ombros - Mas agora ela sabe e sem mais papinhas para a pequena Ellen até os seis meses.

- Dona Toni, você é Deus na vida dessas mães de primeira viagem. - diz gesticulando com as mãos e eu rio.

Dona Lily era uma mulher de cinquenta anos que morava na zona norte, ela trabalhava comigo desde que eu havia me mudado para São Paulo com meus dezenove anos. Nesses doze anos ela era uma segunda mãe para mim, mesmo nós vendo apenas duas vezes por semana, ela sempre tratava de me dar uns puxões de orelha caso fizesse algo errado, ou me dava aqueles abraços que só mãe sabe dar quando eu sentia saudade dos meus pais que estavam no Rio.

Adorável Hévora - ChoniOnde histórias criam vida. Descubra agora