Inverno

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Vitória

Não jantei naquela noite. Primeiro; porque não queria impor minha presença a ninguém e não estava pronta ainda pra me sentar longe da minha pequena. Segundo; provavelmente nenhuma comida conseguiria passar pelo nó que se formava em minha garganta. Então, quando o alarme soou, passei reto pelo pátio e subi ao nosso quarto, já fazia um tempo em que dividíamos a cama da Ana, nossas coisas se misturavam nos dois armários, usei desse tempo pra nos separar novamente. Minhas mãos agiam no automático, minha mente repetia as ultimas palavras que ela tinha dito a mim em uma repetição constante.

"Então você é mais idiota do que eu estava pensando."

"Então você é mais idiota do que eu estava pensando."

"Então você é mais idiota do que eu estava pensando"

Não resisti em me sentar em sua cama e abraçar seu travesseiro, que agora além de servir como cofre para nossas lembranças, servia de recipiente para nossos cheiros combinados, aquela fragrância pura, sem perfume, me fez chorar. Eu a tinha perdido, e não poderia culpar nada nem ninguém por isso, a culpa era inteiramente minha, da minha burrice e egoísmo.

Quando deixei que a Ana entrasse não só na minha vida, como em meu coração, imaginei que ganharia uma companheira e aliada, mas ela tinha me dado muito além do que eu esperava ser possível, ela tinha me devolvida a mim mesma. Hoje eu conseguia olhar no espelho e me enxergar, me amar mais uma vez depois de tanto tempo (sorri em meio ao soluços o que me fez chorar ainda mais), ela estava certa afinal (sempre estava), eu me dividia entre a Vitória que fui e a Falcão que precisava ser, mas eu sou uma síntese das duas, forte o suficiente pra aguentar o peso da vida e sensível o suficiente pra ainda ser capaz de amar.

Ó céus, como eu a amava. E como isso doía em cada célula do meu corpo.

Me deitei em sua cama, não aguentando o peso que a culpa fazia sobre mim. Eu sozinha a tinha perdido. Eu nunca mais poria beija-la de novo, nunca mais a abraçaria de novo, nunca mais deitaria em seu colo e sentiria sua mão me afagar o cabelo...

"Então você é mais idiota do que eu estava pensando"

"Então você é mais idiota do que eu estava pensando"

"Então você é mais idiota do que eu estava pensando"

Essa frase se repetia em minha mente e me permiti sentir essa dor por mais algum tempo, uma ultima vez deitada em sua cama, sentindo seu cheiro. Poderiam ter passado horas, ou só alguns minutos, mas consegui me recompor o suficiente pra levantar, precisava ainda tomar um banho e seria melhor ir enquanto ainda não tinha ninguém nos banheiros, assim eu poderia ter mais alguns minutos de paz. Não me permiti olhar em direção ao refeitório nem na ida nem na volta, uma parte de mim queria vê-la, mas outra parte sabia que no momento em que meus olhos a encontrassem as lagrimas voltariam, preferi voltar pro quarto sem chamar atenção.

Ela subiu momentos depois, pegou sua roupa e saiu sem dizer nada, se notou que no seu armário não tinha mais nada meu, preferiu não dizer nada. Quando o ultimo alarme soou ela entrou sem escapatória, fingi já estar dormindo virada pra parede e ouvi enquanto ela trocava a roupa de cama.

Dormi chorando em silencio.

"Então você é mais idiota do que eu estava pensando"

"Então você é mais idiota do que eu estava pensando"

"Então você é mais idiota do que eu estava pensando"

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Minha SalvaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora