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╰ Chapter Three

⟨ 𝐖𝐡𝐚𝐧 𝐘𝐨𝐮𝐫𝐚 𝐏.𝐎.𝐕 ⟩—————————

      Pelo resto da tarde até o anoitecer, não tive a coragem de mexer em nada que fosse do Felix. Foram horas em que eu contava os segundos dos minutos. Vi algumas fotos que estavam emolduradas e em certos cantos da casa. Desde as fotos de criança, até os dias atuais. Era como ver o Felix crescer sem nem ao menos tê-lo conhecido antes.
       Aos poucos, o sol já não estava mais no céu, e a casa se escurecia por dentro.
      Criei falsas esperanças de que eles pudessem voltar quando ainda estivesse de dia, mas isso não aconteceu. O que era uma reunião de acionistas, se tornou algo mais longo e demorado do qual eu não fazia ideia do motivo. Não tinha como ligar pra nenhum deles, o Felix havia levado a única chave que abria o portão principal, e não sentia liberdade para fazer nada, por que essa não era minha casa. Uma parte de mim acreditava que o Felix nunca teria morado com outra pessoa, por isso tudo parecia tão vazio, e ao mesmo tempo, tão cheio.
       Através das cortinas, eu conseguia ver a luz nublosa dos postes no meio da rua. Me sentei no chão da sala, por que por mais que eu não movesse nem ao menos um músculo meu, o meu joelho fazia questão de lembrar que a dor ainda estava presente. Sentia o controle da minha respiração, que circulava por todo meu corpo.
        Sentia dor, no escuro de uma casa que eu não conhecia, em um país diferente, e completamente só. Sentia meu coração pesado, o que subia pela garganta, e me deixava completamente travada comigo mesma. Queria chorar, mesmo que pra mim, não houvesse motivo válido pra isso.
        Me sentir sozinha era motivo de me fazer chorar?

— Por que não ligou as luzes assim que escureceu? — ouvi a voz do Felix no meio do escuro da sala

       Conseguia ver a silhueta dele, mas o rosto não era visível pela falta de claridade.
       Me levantei do chão, ouvindo um estalo do meu joelho. Nunca fiquei tão aliviada por ver alguém que eu mal conhecia.

— No norte, as luzes não se acendem de noite. — disse passando os dedos por debaixo dos meus olhos — Esqueci que estávamos no Sul.

      Ele acendeu a luz. Deixou o casaco com o crachá no encosto do sofá, e assim como eu, se sentou no chão assim que percebeu que eu havia me sentado primeiro.
       Ele deixou uma sacola ao lado dele com algumas coisas dentro. E aos poucos, se aproximou de mim ao ponto de que ficassemos de pernas cruzadas e as pontas dos joelhos juntas uma na outra.

— No Norte, todas as mulheres tem o seu estado cívico de acordo com o corte de cabelo. Mulheres casadas tem o cabelo preso, solteiras o cabelo curto, e as que namoram, com o cabelo longo. — achei que desviar do assunto faria ele se esquecer de me ver quase chorando — Não é uma lei, é só um costume.

— Isso significa que você namora? — ele dizendo, gesticulando com os dedos se referindo ao meu cabelo longo

— Não — disse balançando as mãos em negação — Como eu disse, é só um costume, não uma lei.

      Ele assentiu com a cabeça positivamente com a boca quase aberta.

— Ainda bem. Seria estranho passar a noite na casa de outro cara.

       Concordei em silêncio, e assim fiquei.
       Era melhor não falar nada do que falar algo errado.
       Será que agora tínhamos intimidade o suficiente para perguntar sobre nossas vidas?

— Seu treinador perguntou por você. — levantei às sobrancelhas intrigada — Fiz exatamente o que me disse pra dizer se ele questionasse alguma coisa. Avisei que estava bem e em um lugar perto do centro de treinamento. Também tentei recuperar seu celular, mas seu treinador disse que você não tinha permissão de tê-lo de volta, isso é verdade?

       Assenti positivamente

— Temos uma certa restrição quanto a isso.

— O que seu treinador impõe exatamente? Pelas ações dele, isso poderia facilmente se enquadrar em um abuso de poder

       Pensei comigo mesma antes de fazer qualquer coisa que gerasse um tumulto por um erro meu.
        Se o Felix soubesse das atitudes do Treinador Hyunbin, duvido bastante que ele possa fazer alguma coisa em relação a isso. O que me tranquilizava, por ele era só uma pessoa comum nessa situação, assim como eu.
         Dobrei a barra da minha calça até que ficasse um pouco acima do joelho, mostrando só o necessário do que precisava ser visto.
        Era uma cicatriz fina já cicatrizada por completo. A cor desigual á pele cicatrizada, seguia uma linha um pouco ondulada de poucos centímetros. Os pontos não eram tão aparentes quanto no dia em que aconteceu.

— Isso aconteceu depois de um torneio em que não ganhamos o primeiro lugar. Ele precisava de alguém pra descontar a frustração, e isso acabou por acontecer.

     O Felix parecia impressionado, passando os dedos pela cicatriz, seguindo como a correnteza de um rio e com cuidado como se aquilo pudesse me machucar, mas aquela já era uma área em que eu não sintia nenhum toque externo.
        Desdobrei a barra da calça

— É fácil acusar e ligar o meu ferimento a um treinamento intensivo. Como um ferimento não tivesse sido proposital. Não existem provas. É como se nunca tivesse acontecido.

         ele permaneceu em silêncio antes de se levantar abruptamente e correr até o interruptor e desligar todas as luzes, da casa.
        Ele apagou tudo, e voltou a se sentar á minha frente, com nossos joelhos juntos como duas crianças pequenas. Parcialmente conseguia ver o rosto sorridente dele graças a luz que vinha da varanda, mas não era suficiente para ver o resto.

— Não precisa se explicar. Você pode fingir que eu não te vi chorar. E pode fingir que eu não vi a cicatriz. Enquanto a luz estiver apagada, eu não consigo ver você e nem o seu rosto. Então fique a vontade pra chorar se precisar. Acho que isso alivia as coisas quando se tem necessidade.

       Ele se levantou com cuidado, desamassando a própria roupa, e por alguns segundos, tentou se certificar de que eu estava realmente bem pra ficar sozinha agora.

— Qual é o seu nome completo? — perguntei antes que ele fosse embora

— Não precisa saber do meu nome.

       Ele desviou no assunto com um tom seco.
       Fiz uma pergunta diferente.

— Por quanto tempo as luzes vão ficar acesas amanhã?

       Ele soltou um riso anasalado antes de responder

— O tempo que você precisar.

        Ele não ficou tanto tempo em casa. Logo saiu pra outro lugar, mas o que havia na sacola, era uma comida “tipicamente” norte coreana em uma embalagem descartável de uma loja de conveniência.
        Eram bolinhos que chamavam de “Tteok”. É o mais comum no norte, mas tecnicamente, não fazia parte da nossa esplendorosa culinária.
         De qualquer forma, me senti quase acolhida pelo Felix ter comprado na intenção de me fazer sentir em casa, mesmo não estando.

𝙊𝙉 𝙏𝘼𝙍𝙂𝙀𝙏; 𝑙𝑒𝑒 𝑓𝑒𝑙𝑖𝑥Where stories live. Discover now