𝕮𝖔𝖗𝖙𝖊 𝖉𝖊 𝕱ú𝖗𝖎𝖆 𝖊 𝕽𝖔𝖘𝖆𝖘

꧁Capítulo 3꧂

Ellara

Lucien retirara-me dos arbustos em que estava escondida após certificar-se de que a fera havia partido. Forcei meu corpo a tremer e esbanjar pavor a cada movimento, meus olhos arderam com as lágrimas falsas, balbuciava palavras vãs. O macho a minha frente ajeitou sua capa sobre meus ombros, suas sobrancelhas se juntaram no momento em que seu olho de metal estalou em direção a meu rosto, funguei vendo-o limpar a garganta.

— O que era aquilo? — Questionei, caminhando em direção ao arco e flecha que estava à beira do riacho. Alcei a aljava e calcei minhas botas, sentindo a inquietação de Lucien. Cerrei o maxilar, obrigando-me a sorrir gentilmente enquanto o macho estudava a arma em minhas mãos.

— O que a trouxe a Prythian? — Retrucou, cruzando os braços sobre o peitoral. Um rugido morreu em minha garganta, minhas narinas dilataram, fúria circulava junto de meu sangue.

— Meu pai era um caçador. — Afirmei, afastando a imagem de Leander.

— Isto explica seus modos. — Lucien zombou, expirando ar pelo nariz.

Um sorriso sem vida se formou em meus lábios. Leander criara-me com aquilo que era e tinha. Nunca possuímos um lar, não tínhamos talheres ou camas. Vivíamos em constante caminhada, sem tempo para se preocupar com a educação necessária para uma 'donzela', mas éramos felizes ao nosso modo. Não aprendera a ler até chegar a Hybern, onde Fallon ensinou-me o pouco que sabia.

Já me esquecera da sensação do medo, do pavor ou amor, minha mente não passava-se de estilhaços do que já fora sã e iluminada. Tudo me fora roubado, tomado de minhas mãos, ceifado diante de meus olhos. Desejava sentir algo além da infelicidade, da fúria, do amargor. Desejava sentir a dor de meu corpo, a agonia enquanto minha pele era acoitada, mas nada chegava-me.

— Sinto muito que o tenha perdido. — Lucien tirou-me do estupor, fazendo-me endireitar os ombros e assentir silenciosamente.

— Posso acompanha-la a aldeia, se desejar. — Propôs gesticulando para seu cavalo.

— E de repente tornou-se um cavalheiro, raposinha? — Ironizei, agarrando o longo tecido de minha saia e o seguindo até o garanhão; o cavalo empurrou meu ombro com sua cabeça, suplicando por carinho, e assim o fiz.

Lucien ajudou-me a montar o animal, a pele grossa de sua mão roçou em meu tornozelo, relembrei meu papel e forcei a timidez em meus olhos, vestindo a máscara da pobre fêmea lisonjeira. Seguimos caminho pelos bosques, em súbito silêncio. O macho acompanhara-me até a casa de hospedagem, pagou minha estadia e sumiu pela porta de madeira sem proferir uma única palavra, sem despedir-se. Esperei anoitecer e parti a procura de Fallon, ele seria a imagem do assassino de Hybern para mim, não poderia colocar minha identidade em risco.

— O que temos? — Questionei afiando uma de minhas adagas.

— Dois ladroes e uma fêmea adultera. — Listou, jogando-me um saco com moedas e um papel com as informações necessárias. Seria uma longa noite de caçada, podia sentir meus músculos tensos, ansiosos para trabalhar. Escondi duas adagas no corset de meu vestido e outras quatro no boldrié em minha coxa. As sobrancelhas de Fallon se juntaram em um questionamento silencioso.

— É exatamente esta reação que espero de meus alvos, subestimação. — Ralhei abotoando a capa entorno de meu pescoço, escondendo o medalhão.

— Fica linda deste modo, Ella. — Sussurrou puxando-me para um beijo lento, porém sem vida.

Me afastei, caminhando sorrateiramente para floresta adentro, concentrando-me em minha respiração e nos cheiros que cercavam-me. Não demorou para encontrar dois de meus alvos adormecendo em uma caverna próxima, idiotas ignorantes que esqueceram de apagar seus rastros e esconder-se. O primeiro fora morto ainda em seu sono, tendo sua garganta aberta cruelmente. O segundo despertara enquanto retirava minha lâmina do corpo sem vida a seu lado. Rolei, desviando de seu golpe, o macho grunhiu em fúria, avançando sobre meu corpo. Sorri maliciosamente encarando a ferida que se formou em meu ombro, cercando a faca enferrujada que fora usada para atacar-me.