4 - Justiça.

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Naquela tarde, de humor realçado, pegou-se no fim da aula colhendo seus materiais do armário azul da escola, desde que não confiava em manter nada por lá para os abutres. Para o seu azar, o conhecido de estatura alta lhe aguardava tranquilamente no corredor. Digeriu tardiamente sua presença, no momento em que experimentou um repuxado nos fios retilíneos que moveu sua cabeça para o lado em questão. Eleanor grunhiu raivosamente e tentou ignorá-lo, sendo seguida.

— Para onde vai, porcelana?

Pelo bem de Deus! — Sussurrou áspera para si, abrindo trêmula o armário quando, novamente, sobressaltou ante o murro que Zane Todd deu no metal para fechá-lo.

Deu passos para trás sem encará-lo, pronta para correr. Não tinha mais tanta certeza de que não seria agredida.

— Nós não terminamos. Você foi embora.

As pupilas minúsculas de medo voltaram-se para ele, sua expressão de desonra, manchas arroxeadas pelas sobrancelhas grossas e maxilar marcado.

— James está bem pior, acredite. — Mudou imediatamente a visão para algum lugar menos subversivo. Uma pena que para o seu massacre psicológico havia uma pichação bem em cima de onde Todd agora estava. Dizia: Virgem. E Muda Pretensiosa com outra caligrafia e de outra cor. — Alguma ideia de quem possa ter escrito isso? — Ele parecia estar acompanhando os seus raciocínios, nem precisou dizer nada. — Juro que não fui eu, isso é ato de covarde. Estou bem na sua frente, não estou?

— P-posso... — Se cortou, com raiva do balbucio — Po-posso abrir o me-u armário? — fechou os olhos, enraivecida e mortificada consigo mesma.

Falar pra dentro? Isso só atrairá aproveitadores, sádicos, narcisistas e todo o tipo de escória. Eles adoram uma submissa como você.

Malditamente correta.

Quando voltou a encará-lo, a satisfação no seu rosto era transparente, que sorria e se afastava com falsa educação. Ele escorou ao seu lado enquanto assistia o seu constrangimento. Colhia alguns materiais de desenho, livros de disciplinas e romances. Poucas coisas para poucos dias.

— Corar cai bem em você.

Maldição.

Eleanor não lhe olhou mais, se recusou a dispersar os sentimentos que Elizabeth lhe trouxe de ter uma vida normal. Não deixaria o dia ser estragado por um da laia de Todd. Saber que a estava encarando incessante era ainda pior. Por que não conseguia revidar? Não conseguia mover-se, sequer respirar com aquela assombração por perto.

Impotência.

— Posso ir?

Franziu o rosto em reação à gargalhada borbulhante que ele deu.

— Para onde vai? Te dou uma carona.

— Não, obrigada. Minha tia está me esperando.

E partiu com alguma mínima força que lhe restou, apressando os passos para sumir de sua vista o mais depressa possível. Zane absorvia todos os seus sentimentos bons, como se soubesse o que estava pensando quando olhava pra ele, não havia bondade nem mesmo na superfície. Só falsa modéstia, falsa honra e educação. Era um sádico. Daqueles que consomem as energias dos bons, que sugam até não restar mais vida ou individualidade.

Eleanor não foi embora com sua tia nem com seus primos, escolheu caminhar a pé pela rua Duisburg até a São Lourenço onde morava. A cidade onde estava agora era fria e espessa, como se o azul, o nevoeiro a sufocasse pelos pulmões limpos. Era arborizada e suas folhas amarelas corriam pelos seus sapatos junto com alguns sacos plásticos da mercearia da doze com a quinta. Comia pela manhã por lá, quando, nas noites, vagueava descalça pela floresta atrás da mansão de Gertrudes e corria o resto da madrugada pela praça principal da zona privilegiada e o parque das crianças vazio. Ótimos lugares para contos de terror. Mas assim preferiu, o vazio, o nada, o "ninguém" eram-lhe confortáveis. Ter primos ou uma figura materna parecia-lhe uma desonra, deveria viver na miséria para compensar ter sobrevivido. O luto deveria ser priorizado e...

𝗳𝗿𝗮𝗴𝗺𝗲𝗻𝘁𝗮𝗱𝗼𝘀Where stories live. Discover now