Capítulo 2: O mundo como nós somos

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 Na verdade, não vemos o mundo como ele é. Mas sim como nós somos. No poema No que pensa o açougueiro, de Radomir Andric, podemos entender o que estou tentando dizer: 

 No açougue do outro lado da rua: no que pensa o açougueiro enquanto corta a carne? É o que tentam adivinhar. Embevecidos, os alunos de filosofia querem saber - através da janela aberta da sala de aula, a pergunta do professor. 

O aluno sentimental responde: "O açougueiro pensa na mulher e nos filhos".

O aluno rebelde grunhe com ironia: "Ele pensa nos cães e nos gatos que não tem nada para comer". 

O aluno ambicioso encolhe os ombros e pragmático, afirma: "Pensa no lucro com a carne dos animais ainda não abatidos".

 E o aluno romântico, dispara sem enganos: "Pensa nas flores, no mar". 

O professor em fileiras respostas, e todos os alunos engordam com a certeza: "Agora sabem no que pensa o açougueiro enquanto ele corta a carne.

 Ao analisar por um tempo esse poema, percebi a brilhante ideia que nele continha: Todas as respostas dos alunos estavam corretas porque, se eles fossem o açougueiro, era nisso que estariam pensando. 

 Quando tentamos adivinhar no que o outro pensa, na verdade estamos nos colocando no lugar dele e dizendo o que nós mesmos pensaríamos se o fôssemos. 

 Portanto, se você diz que acha que um açougueiro pensa em ir logo para casa enquanto corta a carne, você está certo, pois se você se tornar um açougueiro, é nisso que pensará. 

 Deciframos o mundo com nossos olhares de vaidade. Pois não vemos nada além de nós. Quer a prova de que a análise do outro parte do nosso próprio espelho? Aquele quem você chama de inteligente é, justamente, quem concorda e pensa parecido com você. Aquele quem você considera legal é, também, alguém que tem um jeito parecido com o seu. O inteligente só é inteligente porque concorda com você, se ele discorda, você o considera burro. 

 Nunca parou para pensar sobre o porquê de os '' burros'' serem sempre quem não pensa como você? O motivo é que você é o seu referencial. A vaidade está cravada em toda e qualquer análise que pensemos em fazer. 

Por esse motivo, você nunca verá o mundo além do seu próprio nariz. Nunca poderá saber todas as possibilidades, pois as que você leva em consideração são apenas aquelas das quais recolhe de si mesmo. Nunca compreenderemos aquilo que não nos faz parte. Aquilo que não dos constitui. 

 A frase '' A maldade está nos olhos de quem vê'' nunca fez tanto sentido. A bondade também, por sinal. Posto que, ao olhar para algo ou alguém, você só vê a si mesmo, não ao outro.

 A imagem que escolhi para esse capítulo não é por acaso. O que lhe incomoda no outro que aquilo que existe em você, mas você não aceita, você reprime, você afoga, você se utiliza da agressividade para convencer a si, e aos outros, de que aquilo não faz parte de você. Mas faz, acredite. Chamamos os outros daquilo que somos, em tempo os julgamos pelo que fazemos. Mas, no fundo, somos todos hipócritas escondendo nossa natureza miserável por trás de falsos moralismos. 

 Mas como, então, poderíamos ter a noção de infinito e perfeição? Já que estas não fazem parte de nós? A resposta que mais me faz sentido foi a dada por René Descartes. Deixo claro que não acredito muito em divindades (apesar de que eu gostaria de conseguir fazê-lo). Entretanto, Descartes surpreende-me ao dizer que temos a noção de infinidade e perfeição porque, na verdade, existem sim fragmentos de perfeição e infinidade em nós, dado que fomos criados por um Deus perfeito e infinito. 

Logo, somos seres tirados do nada (vazio), mas, ao mesmo tempo, herdamos em nosso espírito pequenos fragmentos de perfeição limitados pela nossa carne imperfeita e degradável. Por esse motivo, temos características de Deus e, ao mesmo tempo, do vazio. Somos e não somos ao mesmo tempo, isto é, estamos. Temos a bondade (de Deus), e a ausência da bondade (do vazio)Temos a vida (de Deus), e a ausência da vida (do vazio)Isso nos permite também entender várias coisas, como por exemplo: Por que somos maus já que viemos de Deus? Na verdade, ao mesmo tempo que fora nos concebida essa virtude (a bondade), fora nos concedido também o vazio, que é a ausência desta, já que não viemos só de Deus, mas sim fomos tirados também do vazio, do nada. Se fôssemos plenamente bons, seríamos o próprio Deus. 

Então, já que não somos, somos metade Ele, metade nada. (Mas não me pergunte como o infinito pode ser quantificado em metade ou em fragmentos! Aí é com o próprio Descartes, não me envolvo em nada rs.)Bom, voltando... A maldade, na verdade, é apenas nosso nada falando mais alto, é a nossa parte vazia pedindo para ser saciada mesmo que o outro seja atingido de alguma forma. É o egoísmo. É nossa natureza querendo ser plena, querendo ser o que não é, pois só Deus pode ser, nós só podemos estar. A bondade é ir contra nossa faminta natureza. É dar ao outro, mesmo que tenhamos que deixar nosso vazio faminto para ser preenchido. É a vez em que a generosidade concebida por Deus toma o controle. 

Logo, somos Deus e nada. Somos bons e nada. Nesse viés, pessoas que se dizem plenamente boas são, na verdade, mentirosas e incapazes de reconhecerem seus atos maldosos. Portanto, não são capazes de pararem de fazê-los. Pois acham que o que fazem é algo bom e generoso. A história está repleta deles. 

Hitler é um exemplo disso, ou você acha que ele se achava mau? Vou lhe contar algo que talvez você não soubesse: Hitler era vegetariano. Até implantou leis à favor da defesa dos animais, que irônico, não? Se eu fosse você, não teria dúvidas de que ele se achava um bonzinho. E o problema está justamente aí. Quando você acha que tudo o que você faz é bom, provavelmente está andando em sincronia com o mal e tornando-se incapaz de percebê-lo em você. Pessoas más não se acham más, vamos começar por aí.

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