Capítulo 7: Distanciamento Verbal - A defesa do ego

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 Ao ler uma entrevista com o psicanalista Jacques André, nunca me esqueço de um acontecimento que ele mencionou: Jacques contara que, numa sessão com seu paciente, falava sobre um amigo homossexual desse mesmo paciente. Um tal de Michel. Quando o Jacques foi se referir ao Michel, não falou simplesmente ''O Michel'', mas sim ''O seu amigo Michel''. O paciente então pergunta porque o psicanalista sempre, ao se referir especificamente ao Michel, fala ''O seu amigo Michel...'' ao invés de simplesmente usar o seu nome, como sempre o faz. Jacques passa a perceber algo que não o tinha feito antes. O psicanalista Jacques percebeu que essa era uma forma de defesa do ego. Ao dizer ''O seu amigo...'', é criada uma distância psicológica entre quem fala e de quem se fala. Chamá-lo apenas pelo nome atribuiria uma proximidade, ainda que psicológica, ao Michel, que era homossexual. A mente do Jacques, então, como forma de defender sua própria sexualidade de maneira inconsciente, o faz escolher sempre palavras que representem um distanciamento da figura homossexual, como forma de defesa. 

 O interessante é que isso ocorre com todos nós (não me refiro necessariamente ao caso específico do Jacques, mas sim às várias formas de nos afastarmos de ideias que entram em conflito com nossas crenças e ideais pessoais). Parece-me que nossa mente não se sente confortável com a mentira, por esse motivo, tenta fazer modificações na formulação da frase a fim de que essa seja parcialmente verdadeira. Percebo que geralmente fazemos isso de maneira eufemística. 

O professor de medicina, escritor de vários livros e Ph.D Bill Sullivan já dizia que mentir ativa o sistema límbico no cérebro, que é a mesma área que é responsável pelas respostas de ''lutar e fugir'', que é desencadeada pelo estresse. Quando contamos a verdade, a atividade desse cérebro é baixa, quando mentimos, a atividade se ascende como fogos de artifício. Isso me leva a pensar que, como não gostamos de nos sentirmos ansiosos e estressados, tendemos a evitar a mentira sempre que possível, utilizando, dessa maneira, eufemismos que retirem a especificidade e o peso de nossas afirmações. Por exemplo, uma garota que diz que não quer perder a sua amizade, ao invés de dizer que não quer perder você, parece indicar que o seu medo é perder os benefícios que ela pode ter com essa amizade, mas não necessariamente há um elo emocional entre você e ela. Quem não se direciona a você, como pessoa e, em vez disso, direciona-se a figuras abstratas como, ''Sinto falta de conversar com você'' ou ''Sua amizade é muito importante pra mim'', ao invés de apenas VOCÊ, não tenho a mínima dúvida de que você PODE ter dançado na roda. Também é bom ficar de olho em quem diz ''também te adoroo!'' depois de você dizer ''Eu te amo!'', rsrs. 

É importante deixar claro que apenas o uso consecutivo e constante dessas estratégias defensivas do ego, dentro de um contexto que aciona tal gatilho emocional na pessoa, pode indicar desinteresse ou repulsa. Por isso, não se pode sair por aí achando que todo tipo de frase que parece um afastamento de fato o é. Ademais, é possível que, em alguns casos, eufemismos e afastamentos verbais sinalizem a morte do desejo. Pois serão formas de demonstrar que a proximidade emocional com você induz algum tipo de desconforto no locutor, fazendo com que esse fale de forma indireta e eufemística. Em suma, desconfio de que frases ''fofas'' que não se direcionem única e claramente à pessoa de quem ou com quem se fala, ou demonstrem algum tipo de afastamento ou ambiguidade no entendimento, na verdade escondem algum tipo de desconforto ou agonia. 

Portanto, como forma de educação, ou até de dissimulação, tendemos a simular sentimentos que não são necessariamente recíprocos com os da outra pessoa, por conta disso, como nosso cérebro sente desconforto em ter de criar uma frase totalmente mentirosa, é comum que omitamos alguma coisas e, no lugar dessas, coloquemos outras que são verdade e podem encaixar no contexto, tornando a frase convincente.

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