VI. RUBIS

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“A politica não deveria ser a arte de dominar, mas sim a arte de fazer justiça.”

- Aristóteles

- Aristóteles

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06. Rubi

A M A L I E

A região de Languedoc-Roussillon (onde estabelecia-se Carcassone, a comuna em que eu crescera) ficava a cinco dias de Paris

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A região de Languedoc-Roussillon (onde estabelecia-se Carcassone, a comuna em que eu crescera) ficava a cinco dias de Paris.

Eu não levara nenhuma ampulheta comigo, tampouco algum relógio de sol. Por isso, contava o tempo através do nascer e pôr do astro rei.

Os homens presentes na carruagem não proferiam um palavra sequer. Nem entre si e muito menos para mim. Estavam quietos, quietos feito estátuas. Eu também não tinha muito o que dizer. Minha voz sumira no instante em que precisei deixar La Cité, juntamente a vontade de falar.

Minha boca nunca esteve tanto tempo em linha reta. Eu só a movimentava para beber pequenos goles d'água e comer fatias de pão seco que os soldados me ofereciam para que não chegasse em Paris morta por desidratação ou fome.

Julgar uma morta, é claro, não valeria de nada a eles.

Minhas mãos foram unidas e presas com grilhões apertados de metal. Eu já nem me importava com a dor que a pressão gélida causava em meus pulsos.

Coisas piores estariam por vir, afinal.

Fazíamos pequenas pausas para que os cavalos descansassem e fossem devidamente tratados com água e legumes.

Minha cabeça doía. Meu corpo gritava por um descanso digno. Dormir em cima do feno não era lá tão confortável assim.

Meus pensamentos rodopiavam em espirais: como meu pai estaria? Eram dois anos inteiros sem sua presença, o maior tempo que já ficara longe.

Ele teria mudado?

Estaria muito diferente em alguma coisa?

Ainda gostaria de vinho como antes?

Qual seria sua reação ao me ver?

E o rei... como seria o rei Christophe?

Ele nunca se mostrara a ninguém. E papai não distribuía ao vento informações sobre a realeza — na verdade, ele nunca nos dizia nada sobre o que presenciava dentro do palácio.

Eu respeitava o limite de não perguntar. Sabia que não teria nada assim dele. Era por isso que papai era o homem de confiança do rei.

Havia dois anos que Christophe Toussaint recebera a coroa que pertencera ao pai. Por terceiros, sabíamos que fora ele o responsável por colocar um ponto final nas invasões normandas. Como? Era impossível saber.

Por que papai não voltara mesmo depois das coisas apaziguarem? Outra questão impossível.

Os boatos sobre o rei recluso eram infinitos — dos mais comuns aos mais absurdos. Tinha até quem afirmasse que seus aposentos eram mal assombrados pelos espíritos de seus ancestrais.

Eu não sabia o que pensar. Achava difícil algo assim ser real. Mas não queria ter uma opinião formada antes de ver com meus próprios olhos.

Eu odiava o antigo rei. O homem era um poço de impiedade. Nossas dificuldades eram todas responsabilidade dele e de sua soberba. Muitos dos nossos padeceram de fome, frio e doenças porque os luxos do palácio real eram mais importantes que a vida alheia. Minhas irmãs não desfrutaram da presença do pai, já velho e cansado, porque ele precisava estar sempre ao lado de seu soberano mesmo quando as necessidades não existiam.

Rei Linus era o próprio diabo. Conversas de que ele mesmo assassinara a esposa assustavam os moradores do Reino Franco. Eu fazia parte do grupo daqueles que não duvidavam. Meu instinto dizia-me que, mesmo com a probabilidade de graves mentiras, existia uma base de verdade ali. Homens ruins não sustentavam suas máscaras por muito tempo.

Nos olhos verdes de meu pai, eu podia ver que coisas estranhas aconteciam no palácio. Às vezes, o silêncio fornece mais informações do que aquilo que nos é dito.

E com a nova descoberta da identidade dos saqueadores, minhas intuições sobre o caráter duvidoso do falecido rei ganhavam mais força.

A fama de rei Christophe também estava começando a se concretizar. Ele seria uma versão mais jovem do pai — diziam —, impiedoso, cruel e demoníaco.

Permitindo que seus homens invadissem lares, estuprassem mulheres e meninas, e tomassem para si o que não lhes pertencia, não era improvável. Era bem possível.

Em minhas condições naquele momento, eu não estava apta a julgar nada. Ao menos sabia se estaria viva para confirmar todos aqueles impressionantes e horrendos boatos. Eram dúvidas inúteis. Eu não teria tempo de conseguir respostas. Nem devia estar preocupada com isso quando grilhões impediam-me de ter qualquer outro destino que não fosse a morte por traição a coroa.

Um arrepio me fez estremecer.

Estava chegando a hora.

Em meu peito, o colar dado por minha mãe não me deixava esquecer de que precisava ter coragem.

Olhando por dentro do vestido com certa dificuldade, enxerguei um pequeno rubi adornado por arabescos de aço.

Não sabia o que mamãe pretendia ao confiar-me um presente tão belo; e nem como ela conseguira uma peça tão aparentemente valiosa.

Mas por algum motivo, olhar para ele fez-me sentir como se estivesse segura.

E nada houvesse a temer.

E nada houvesse a temer

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Vossa Majestade, o Rei ✠ Livro IWhere stories live. Discover now