Merecimento

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O barulho de água corrente aos poucos me fez retomar a consciência e lentamente me ergui. Mais uma vez, ao que parecia, Hermione se provou mais forte do que eu.

Quando mandei que fosse lavar o rosto e ir para seu quarto, ela foi sem hesitar. Ao contrário de mim. Eu padeci em meu quarto, chafurdando em autopiedade.

Uma voz interior sussurrou que eu devia ir vê-la. Dar a ela os cuidados que ela precisava tão desesperadamente. Mas meu orgulho me prendeu onde eu estava.

Se eu fosse a ela e desmoronasse, como sabia que podia acontecer, ela ia querer saber por que uma dominatrix com tantos anos de experiência desabava depois de puni-la. Uma coisa levaria a outra e ela descobriria a verdade — que eu a conhecia muito antes de sua inscrição chegar a minha mesa.

Esperei até que a água em seu banheiro parasse de correr, depois parei, ouvindo por mais alguns minutos antes de ir ao corredor. Ela chorava. De novo. Fui até sua porta e o choro parou.

Pus a mão para girar a maçaneta, mas a culpa me impediu de virá-la. Eu sabia como Hermione estaria. De nariz escorrendo. Os olhos molhados. O rosto raiado de lágrimas. Mas, pior de tudo, o que traria sua expressão? Ódio? Medo? Dor? Se eu a procurasse, ela se intimidaria com meu toque? Se eu falasse, ela ouviria? Suspirei. Eu não podia fazer isso. Não podia enfrentá-la.
Coloquei a mão aberta em sua porta. Não posso, Hermione. Não sou tão forte. Perdoe-me.

***

Era cedo para ir dormir — nem eram nove horas e a casa estava silenciosa demais. Comecei a me arrepender da decisão de mandar Athena passar a noite num canil. Fui à cozinha e peguei o telefone, para verificar.

— Alô, Srta. Parkinson — disse a recepcionista depois que me apresentei. — Como vai?

Não estava com humor para bater papo.

— Como está Athena?

— Está indo muito bem, senhora. Muito melhor do que da última vez.

Não consegui encontrar energia para ficar feliz.

— A senhora virá buscá-la amanhã às dez e meia? — perguntou ela.

— Sim.

— E vai deixá-la aqui na próxima sexta-feira. — Eu podia ouvir o sorriso em sua voz. — Supondo que iremos ganhar neste fim de semana, é claro.

Era aqui que eu devia me envolver numa brincadeira espirituosa sobre futebol americano.

— Verei você amanhã — falei e desliguei.

Andei pela casa, verificando fechaduras e códigos de segurança. Ouvi passos no andar superior, mas ninguém desceu. Por mim, tudo bem. Se era para uma de nós dormir esta noite, eu queria que fosse ela.

Sem pensar, fui à biblioteca e a meu piano. Senti uma pontada de dor ao pensar no quanto eu queria que o fim de semana passasse. Se eu tivesse sorte e Hermione ficasse comigo, talvez eu lhe mostrasse a biblioteca mais tarde.

Sentei-me ao piano, tentando decidir o que tocar. A canção que compus no fim de semana anterior, aquela inspirada na beleza de Hermione, provocava-me. Eu me atreveria a tocar sobre sua beleza? Que direito eu tinha de fazer isso depois do que fiz? Eu não tinha esse direito.

A raiva me tomou e desafoguei a frustração nas teclas do piano, tocando as notas furiosas que martelavam em minha cabeça. Por um bom tempo, fiquei perdida na fúria, mas, como sempre, tocar ajudava a me restaurar a calma.

Por fim, a doçura, a própria essência dela me tomou e me vi incapaz de fazer algo além de deixar que me dominasse.

Eu não era uma covarde, disse a mim mesma na manhã seguinte. Eu estava dando tempo a Hermione. Tempo para o que, não sabia dizer. Só sabia que não estava pronta para enfrentá-la e suspeitava de que ela sentia o mesmo.

A Dominatrix - Pansmione | Parte 2/3Onde histórias criam vida. Descubra agora