Capítulo dois

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Refugiei próximo a árvore dos balanços após o jantar,  eu estava prolongando  a visita  ao meu antigo quarto, pois ainda exibia fotos e outros objetos de Igor. Era meu dever escolher o destino deles, mas eu não queria na época imaginar o nunca mais rever.

Não que alguém de minha família questionasse, além disso tia Flávia também manteve muitos itens na justificativa de que seriam de Augusto e Amanda.

Jamais me orgulhei da vivência do luto.

Respiro fundo, movimentando o isqueiro.  Era o preferido de Igor e que havia sido a fagulha para nossas discussões quando persistia nos cigarros enquanto estávamos na radioterapia e quimioterapia.

—Mamãe.

O grito de Amanda me fez saltar do balanço.  Meus braços rodearam seu corpo com extrema preocupação e medo. 

—O que foi meu amor?

— Tia Thamara está no hospital. Ela perdeu o bebê.

Voltamos rápido para dentro da casa.

— Quando vamos para Goiânia? — foi a primeira e única pergunta correta para o momento.

Guilherme e Bianca se entreolharam, de mãos dadas. Por alguns instantes eu senti a velha cicatriz ao entender que não tenho mais esse apoio incondicional. Eu compartilhava uma vida com meus filhos, mas meu marido não apareceria num rompante pela porta com a voz grave e forte.

— Rodolfo acha melhor o esperarmos aqui mesmo.

 —Mas, e minha irmã?

— Ela disse que está tudo bem.

Expirei, mordendo o lábio:

— Vocês realmente acreditam nisso?

— Nós precisamos respeitar o limite imposto por ela. Sabe disso, Carolina — meu pai retrucou.

— Talvez se fosse apenas eu... — tentei argumentar ainda bastante hesitante.

— Filha, por favor. 

Ouvi a súplica de Bianca,  eu queria apertar as mãos sobre a cabeça para evidenciar a frustração que me rodeava nesse momento. Parecia que estávamos fadados a perdas e eu me ressentia um pouco quando considerava o desejo avassalador de Thamara pela maternidade. 

— Não é uma boa hora, estamos eufóricos no mal sentido. Lamento tanto, mãe.

Bianca se levantou, pronta para me abraçar, Amanda mantinha-se ao meu lado.

— Nem sempre entendemos a decisão de Deus.

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Ao contrário do que imaginei e recriei em meus discursos, o curto tempo com Thamara em nossa fazenda deixou-me um pouco confusa sobre o papel como a irmã mais velha e conciliadora. Entre murmúrios nos corredores da grande casa eu tentava ignorar os questionamentos de estranhos sobre a realidade de cada um dos meus irmãos.

Não gostava dessas interrogações que nos comparavam e afirmavam que ainda estávamos incompletos, ou sobre as possíveis oportunidades de recomeços que só nos colocavam em um ciclo bastante fechado e com pouquíssimos objetivos.

— Bonitão de cabelos castanhos e olhos cor de mel? 

Interrompi meus passos, fechando os olhos ao reconhecer a voz de Emanuel.  Logo me vi esfregando as mãos nas coxas, tentando minimizar o suor como na primeira vez que conversamos. É lógico que a única razão naquele momento era meu direito de importar e preocupar com o bem estar de Augusto e Amanda,  embora sinto a cada dia o quanto a dependência tornava-se fracionária. 

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