Parte 3 - A Maldição

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SEHER

Eu não queria ter voltado para aquele lugar, mas precisei. Eu precisava ter ficado afastada depois de ser vista por aquele homem que chamam Yaman, mas não consegui.
Aquele dia que fugi dele, fui para as ruas de novo. Vaguei pelos bairros próximos, escondida como uma criminosa. Minha vida virou isto,  me esconder, comer o que acho nas ruas, vagando por aí.
Depois do que me aconteceu há um ano não pude mais voltar para minha casa, não depois de perceber que Hakan estava sempre por lá me esperando.
Então eu andava de rua em rua. De casa em casa. Como gata, algumas pessoas me ajudavam, como humana nem tanto.
Hakan jogou a maldição em mim porque eu me recusei a me entregar a ele. O homem é puro mal. Tudo que ele faz é para o mal, tudo que ele toca, apodrece.
Eu não sei o que ele fez comigo, mas um dia acordei com ele ao lado da minha cama, ele me obrigou a beber alguma coisa muito ruim e foi embora. Achei aquilo estranho, mas a principio fiquei aliviada por não ter que lidar com ele.
Na manhã seguinte minha maldição começou. As 5 horas da manhã eu acordei com uma dor insuportável no corpo todo e logo em seguida me transformei em um gato.
Passei o dia confusa, sem entender o que estava acontecendo até passar em frente ao espelho e ver no que havia me transformado.
Como gata, não consigo falar, mas minha mente é a mesma, meus pensamentos ainda são humanos. 
Naquele dia, exatamente a meia noite eu me transformei em mulher novamente. Ali eu percebi o que tinha acontecido. Hakan me jogou uma maldição. De dia sou gato e a noite mulher.
Por um ano eu andei pela cidade sem rumo, sobrevivendo de sobras, de caridade, caçando, as vezes roubando.
Até o dia em que entrei naquela mansão e conheci Yusuf.
Pela primeira vez estive em um lugar em que me senti acolhida, me senti em casa, me senti segura.
O menino me alimentava, as outras pessoas me agradavam, cuidaram de mim. Eu decidi passar um tempo ali porque o lugar era grande e eu imaginei que poderia me esconder quando me transformasse em mulher.
Estava enganada.
O homem que chamavam de Yaman me viu como mulher.
Naquela noite em que o vi pela primeira vez senti algo dentro do meu peito.
Ele estava nu, glorioso em sua sacada, olhando tudo ao redor como um verdadeiro rei. Seu poder era palpável.
Me enfeitiçou.
Minha vontade foi de subir até ele e me esfregar naquele corpo, assim como faço quando sou uma gata.
Em outra vida eu jamais faria uma coisa destas, mas a gata em mim tem desejos e necessidades que eu não tinha. A nudez agora é algo natural para mim. As roupas não acompanham minha transformação, então se não tenho roupa por perto, preciso andar nua.
Depois que virei uma gata algumas coisas aconteceram com meu corpo.
Quando mulher tenho algumas características de gata, minha visão é bem melhor, posso escalar coisas altas, meus instintos mudaram, me distraio facilmente com coisas bobas e meu corpo sente desejos que não sei explicar.

Meu corpo todo se esquentou quando vi aquele homem nu. Tanto que, ao invés de me esconder como sempre faço, eu fiquei ali olhando para ele, sem conseguir me mover, sem conseguir respirar direito.
Depois daquele dia eu deveria ter ido embora, mas não fui. Não consegui.
Na noite da chuva eu o vi de novo. Desta vez foi ainda mais intenso porque ali eu vi que tipo de homem era Yaman.
Eu vi seu sofrimento, percebi que ele levava dentro dele um peso que nem todo mundo suporta. Estava em seus olhos, em seus gestos, em seus gritos desesperados, mas o que mais me ajudou a compreendê-lo foi o fato de sentir a mesma coisa.
Eu também já gritei muito. Eu também já senti tanta raiva do meu destino que precisei gritar para arrancar aquele sentimento do peito.
Eu o compreendo, sei o que sente.
Duas almas sofredoras se reconhecem. Eu vi nele aquilo que eu trazia em mim mesma.

Novamente eu deveria ter partido, mas não o fiz. Fiquei porque senti uma necessidade grande de estar perto daquele homem, mas na noite em que ele me alcançou eu percebi o perigo que corria.
Na primeira noite eu senti desejo apenas de olhar para ele, na segunda noite eu senti o reconhecimento de almas, na terceira noite seu toque em minha pele queimou como fogo e este fogo consumiu meu corpo todo.
Seu olhar feroz, ao mesmo tempo de desejo, quase me fez me entregar para ele ali mesmo.
Sim, eu estava definitivamente em perigo.

A MaldiçãoWhere stories live. Discover now