Parte 8 - A Maldição

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Seher

Eu não me sinto bem aqui. Esta caverna não é boa. Eu sinto o mesmo mal que me atingiu, o mesmo mal que sinto todos os dias quando me transformo em gato.
Dizem que os gatos são protetores, eu acho que é verdade. Desde que me tornei gato, posso sentir a maldade, mas esta maldade daqui é diferente.
Esta bruxa já passou para o lado do mal faz tempo. É uma alma corrompida sem volta.
Temo pela vida de Yaman agora. Se esta é sua mãe, ele corre grande perigo. O que ela pode fazer a ele? Do que ela é capaz?
E que ironia... a mãe de Yaman foi quem me deixou deste jeito.
Meus pêlos se arrepiam quando ela se aproxima e eu solto um grunhido me retesando toda. Sua presença maligna é sentida por todo meu corpo.

********

Yaman

- Yaman, meu filho - a bruxa me diz.
- Não se aproxime de mim! - eu falo.
Ela continua vindo em minha direção com cara de inocente, mas eu sei do que esta mulher é capaz. Eu tenho uma infância de sofrimento para me lembrar do que ela nos fez.
- como você me achou, meu filho?
- Eu já disse para ficar longe.
- Eu sou sua mãe.
- Você me deu a vida, mas não é minha mãe. Não finja que me ama, nem que sente minha falta. Eu sei do que você é capaz.
Como eu havia imaginado, sua máscara vai caindo aos poucos e a expressão de raiva toma seu rosto.
- Ah tá bom. Não tenho mesmo paciência pra fingir que sou uma boa mãe. O que você veio fazer aqui?
Eu mostro Seher.
- Ah sim... uma de minhas mais belas criações...
- Foi você que fez isto?
- Claro que foi. Ninguém mais é capaz de fazer uma coisa destas.
- Então tire!!! Faça ela voltar ao normal!!
Minha "mãe" solta uma risada alta e bastante tenebrosa.
- E por que eu faria isto, "filho".
Ela enfatiza a palavra filho de maneira debochada.
- porque se você não fizer, vou acabar com você, mesmo sendo minha "māe".
- Por que você quer acabar com minha linda maldição? Olha que beleza de gata! Tão linda e inocente. O homem que me pagou para fazer isto dava mais valor para mim.
- É dinheiro que você quer? Eu tenho dinheiro.
Ela circula pela caverna cheia de luxo. Bem a cara dela. Vive na riqueza, exerce um poder grande sobre os moradores da região. Só Deus sabe a quantidade de trabalhos sujos já fez para conseguir tudo aquilo. Seu rosto mostra o mal que há dentro dela. Se algum dia eu imaginei que seria possível minha mãe ser uma boa pessoa, se algum dia imaginei que ela tivesse ido embora por um motivo muito forte, agora eu vejo que não. Ela realmente é do mal.
- Você tem algo que eu quero que vale mais que dinheiro - ela diz com seus olhos nos meus.
Só agora percebo que ela não envelheceu. Está com o mesmo aspecto de quando nos deixou. Fico imaginando que preço teve que pagar para se manter jovem.
- O que você quer?
- Meu neto. Eu quero ele aqui comigo, vou molda-ló, vou fazer dele um grande bruxo!
Neste momento Seher pula do meu colo e ataca a mulher. Se agarra em seu rosto com as unhas com tanta força que minha mãe leva um tempo para conseguir se livrar dela.
- acho que já teve sua resposta - eu digo sem evitar o sorriso de orgulho.
Ela nos olha com raiva e coloca as mãos no rosto machucado, logo em seguida os ferimentos desaparecem.
- Ele é meu neto! Vou fazê-lo meu sucessor, ele terá mais riqueza do que todos nós juntos! Não pode negar isto a ele - ela diz aos gritos.
- Yusuf não precisa de riqueza. Você não vai levar sua maldade para ele.
Ali eu percebo o real perigo de minha mãe. Se ela quer Yusuf não vai parar até conseguir.
Me aproximo dela e pego seus braços.
- você não vai tocar na minha família e vai me dizer como acaba com a maldição agora mesmo!!
Ela da risada. A mesma risada maquiavélica de antes. Então Seher pula novamente na bruxa e elas começam uma espécie de luta. Posso estar enganado, mas acho que desta vez Seher não tenta arranhar o rosto de minha mãe. Ela parece estar tentando tirar o amuleto de seu pescoço.
Pela primeira vez vejo medo nos olhos de minha mãe. Seher quase arranca o colar com as unhas, mas ela a impede.
Aquilo acende um alerta em mim. Será que o colar é a resposta? Porque ela tem medo de tirá-lo?
Seu medo a faz se afastar. Pega no amuleto e começa a dizer palavras que não reconheço.  Está lançando um feitiço.
Não posso deixar.
Jogo a primeira coisa que vejo em minha mãe. Um vaso chinês.
Ela se atrapalha com aquilo e eu aproveito para me aproximar e arrancar o colar de seu pescoço
A caverna treme, todos caímos no chão. Seher se coloca ao meu lado.
- Nãaaaaoooooo!!! - Minha mãe grita de joelhos.
Sua pele começa a enrugar, seus cabelos começam a ficar brancos. Em pouco tempo ela mostra sua verdadeira idade.
- Me de este colar!!! - vem engatinhando na minha direção.
Eu me levanto e o jogo no chão, quebrando-o em vários pedaços. Ainda piso nele pra terminar de destruir.
- Não! Seu tolo!!!! Minha força, minha mágica se foram!! Eu sou Canan!!! Eu poderia ter te dado tudo!!! Poderia ter feito de você o homem mais rico do mundo!!!
Ela diz todas estas bobagens num acesso de fúria, mas só tenho olhos para Seher.
Ela virou uma mulher novamente. Olho para o relógio e ainda são 11 da noite.
Será que conseguimos? A maldição se acabou junto com o amuleto?
Seher vem correndo ao meu encontro e me abraça.
- Acabou! - ela diz - já não sinto o mal em mim. Estou livre!
Eu a beijo ainda sem acreditar.
O cristal do colar está estilhaçado no chão, mas minha mãe tenta juntar os cacos.
Eu não deixo. Vou até ela e arranco aquilo tudo de sua mão.
- chega - eu digo- Acabou! Você não pode mais fazer suas maldades.
Ela volta ao seu teatro de mãe sofredora. Ajoelhada aos meus pés me olha e junta as mãos em súplica.
- você não entende, meu filho. Sem isto eu estou perdida. Toda a magia que eu fiz será desfeita.
- Excelente.
- Mas eles virão atrás de mim. Suas almas estavam na minha mão, agora não estão mais. Eles vão me matar. Você quer que sua mãe morra?
- Eu não quero nada. Você escolheu isto para você. Se eles virão atrás de você, sugiro que comece a correr.
A bruxa se da conta de que não farei nada por ela e começa a juntar seu ouro, coloca tudo em sacos. Pega tudo que tem de valor e vai juntando com pressa.
Honestamente, o que ela vai fazer daqui pra frente não me interessa mais. Assim como Seher se livrou d e sua maldição, eu também me livrei da minha. Agora sei que minha mãe sempre foi má. Ela nunca foi mãe, então por que eu lamentei sua partida até hoje?
Porque sofri todos estes anos? Ela nunca mereceu e eu nunca deveria ter lamentado a partida de alguém como ela, pelo contrário, deveria ter comemorado porque, apesar de tudo que passei por causa disto, ainda sim foi melhor do que ter crescido com uma bruxa, com alguém tão má.
Chega de lamentar o passado.

Dou meu casaco para Seher e nós vamos correndo para o carro alugado. Antes de entrar eu a puxo para mim.
- Acabou. Você está livre.
- Graças a você...
- Graças a nós. Se você não tivesse tentado pegar o colar eu nunca teria desconfiado.
- Eu senti o mal que vinha do colar. Percebi que ali estava toda a mágica dela.
- Como?
- Coisa de gato.
- Foi perfeito. Nós tiramos sua maldição e de quebra todo o mal que ela fez foi desfeito.
- Eu sinto muito pela sua mãe.
- Ela escolheu seu caminho.
- Ainda assim... você deve estar se sentindo mal com tudo isto.
- Pelo contrário. Hoje eu percebi que não perdi nada depois que ela foi embora. Você se libertou de sua maldição e eu me libertei da minha. Não se preocupe com ela. Você viu o tanto de dinheiro e ouro que ela tinha? Vai dar pra ter uma vida de rainha.
- Sim, mas solitária.
- De novo, escolha dela.  Vamos para casa, meu amor.
- Vamos.

********

Seher

A mãe de Yaman foi esquecida no mesmo instante. Eu tenho impressão de que a veremos novamente, mas ao menos agora ela não é mais perigosa.
Que sensação maravilhosa pertencer a mim mesma novamente. Ter controle sobre meu corpo, poder andar em duas pernas durante o dia.
Que felicidade fazer tudo isto ao lado dele.
Quando entramos no carro eu coloco as roupas que havíamos trazido, mesmo ele falando que me preferia sem roupa nenhuma.
Ele alugou um jatinho pra voltarmos para casa ainda naquela madrugada e devo confessar que entramos para o "mile high club". Meu homem insaciável fez amor comigo o caminho todo. Eu gostei.
Chegamos em casa quase de manhã, exaustos, mas não consegui dormir. Fiquei acordada até 5:05 da manhã. Quando vi que não me transformei em gato, dormi feito pedra.
Quando acordei, Yaman estava no quarto com uma bandeja de café da manhã, apesar de ser hora do almoço.
- Bom dia, gata- ele diz colocando a bandeja no sofá e vindo ao meu encontro para um beijo.
- Bom dia, meu homem.
- Como é acordar humana depois de um ano?
- Ainda não acredito que acabou.
- Sim. Está tudo acabado, meu amor.
- E agora?
- Agora? Agora eu preciso que você me responda uma coisa.
- Qualquer coisa.
- Quer se casar comigo?
Eu pulo da cama exatamente como fazia quando era um gato e vou para seu colo.
- quero! Quero me casar com você!
Nós nos beijamos por um longo tempo, selando aquela promessa.

Depois de tomarmos café juntos, fomos ter uma conversa com Yusuf. Contamos que a gatinha não voltaria porque ela agora iniciaria uma família. Depois fomos até o abrigo escolher um outro gatinho com ele. Apesar de triste, ele ficou feliz em saber que a gatinha Seher agora tinha uma família só dela e também ficou feliz em saber que nós nos casaríamos. Disse que ele também teria uma família, assim como a gatinha.
Quanto a Hakan, Yaman juntou todas as provas de seus negócios ilegais e o levou pra a polícia. As investigações acabaram apontando ele como assassino de diversas pessoas, inclusive meu pai. Ele eliminava seus concorrentes e seus desafetos. Sempre da mesma maneira, envenenando.
Por isto eu não deixei Yaman tomar aquele Whisky na casa de Hakan. Também estava envenenado.
Hakan passará o resto de sua vida na cadeia.
Quanto sofrimento, quanta tristeza por causa do orgulho de um homem. Eu senti a morte de meu pai como se fosse hoje.
Voltei a minha casa sem medo depois de um ano, mas com tanta tristeza no coração.
Yaman se manteve ao meu lado, me apoiando, chorando comigo.
Eu tenho um longo caminho de cura pela frente, mas com ele ao meu lado eu posso tudo.

Continua...

A MaldiçãoTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang