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BEATRICE

Existem cheiros e sons que vão estar, para sempre, na minha memória. Como o cheiro a pão quente pela manhã, todos os dias, antes de ir para a escola ou o som do rio quando abria a janela do meu quarto e me perdia a olhar para a paisagem que tinha. Sei que tenho poucas memórias da minha infância, mas todas as que consigo ter estão associadas a cheiros e sons.

E isso perdura pela minha vida adulta.

Como no dia em que conheci o Lewis. Mesmo recordando-me de todos os pormenores desse momento, é do cheiro dele que me lembro. Ou da primeira noite em que dormi com ele e acordei a meio da noite, totalmente sobressaltada, com os barulhinhos que ele faz a dormir quando está cansado. Ou o som da gargalhada dele. O cheiro a baunilha que existia na pastelaria onde ele me levou a tomar o pequeno-almoço em Londres. O som das folhas das árvores que, numa tarde de outono, se ouvia por cima das nossas cabeças, no jardim da casa dele.

Ou como no dia de hoje.

Que desde que entrei neste consultório só me cheira a morangos, porque os estive a comer enquanto esperava, já que há uma fome em mim inexplicável – melhor, explicável, mas totalmente descontrolada, nos últimos dias.

Depois daquilo que me pareceu uma quantidade exagerada de perguntas, deitei-me naquela maca fria.

- O pai não vem assistir? – obrigada, por me dar um murro no estômago neste momento.

- Ele não conseguiu voo a tempo – por problemas que nenhum de nós consegue perceber, houve um engano nos voos do Lewis e, viajar de Londres para o Mónaco tornou-se demasiado complicado.

- Compreendo – não, o senhor não compreende, porque ninguém consegue compreender! – eu vou gravar a ecografia, para que possa partilhar este momento, mais tarde, com o pai – apenas lhe assenti que sim com a cabeça – como lhe expliquei... - alguém bate à porta, interrompendo o momento – peço desculpa – o médico levantou-se, abrindo a porta ao fundo do consultório.

E a minha alma parecia ter voltado ao meu corpo.

- Peço desculpa pelo atraso – a voz dele é outro dos sons que nunca esquecerei na vida. Basta ouvi-lo para que, em qualquer situação, o meu coração fique inteiro – espero ter chegado a tempo.

- Muito a tempo – depois de lhe dar passagem para entrar, o Lewis veio na minha direção.

E aquelas rugas junto aos olhos só podiam indicar que, por detrás daquela máscara, havia o maior sorriso do mundo neste momento.

- Como é que estás aqui? – perguntei assim que me agarrou a mão.

- Está para nascer a pessoa que me impeça de assistir à minha primeira ecografia da coisinha – passou a sua outra mão para a minha cabeça, mexendo nos meus cabelos – estás bem?

- Melhor seria impossível.

- Vamos, então, começar – o médico sentou-se na cadeira ao lado da maca, olhando alternadamente entre mim e o Lewis – como ia começar a explicar, vamos garantir que está tudo bem com o bebé. Não vos garanto que consigamos ver já hoje se é menino ou menina, já que a Beatrice ainda está no fim do primeiro trimestre.

- Desde que esteja saudável, é só isso que importa – garanti.

- Vamos ver – senti a mão do Lewis apertar mais a minha quando o médico colocou o gel sobre a minha barriga – aqui está o vosso bebé – e, claro, comecei a chorar porque agora vejo um bebé.

Se, até ontem, olhava para a primeira ecografia e duvidava de que aquele pequeno feijão era o meu bebé, a imagem que hoje tenho na minha frente tira-me todas essas dúvidas. É fácil perceber onde estão os seus braços e pernas, mesmo que minúsculos, e a cabeça bem redondinha. Ouvia, com atenção, aquilo que o médico nos ia dizendo, indicando que estaria tudo bem com o bebé.

Always, BeOnde histórias criam vida. Descubra agora