Capítulo 16

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Mais tarde, naquela quinta feira, caiu uma chuva refrescante. Emê de Martnália gostava das chuvas, principalmente do barulho de chuva, ainda mais quando era uma fraquinha como a que caiu em Fotocópolis naquela tardezinha.

A janela do seu quarto ficava ao lado da cama de solteiro, e ela se deitou ali enquanto apreciava o barulho da chuva e também para observar o dia escurecer. Pela primeira vez em muito tempo, Emê se sentia em paz. Não sabia dizer se era a chuva que produzia um som tão pacífico ao se chocar com o solo, ou se estava se sentindo daquela forma por causa dos acontecimentos da tarde.

Ninguém estava em casa, de novo. Fiona Valentina estava tendo uma semana atarefada com comerciais e contratos com empresas, e Abadia como mãe e agente, tinha de acompanhar a filha mais velha. O pai de Martnália nunca ficava em casa, pois trabalhava em um laboratório e não sabia muito bem como lidar com suas duas filhas.

Mas Emê de Martnália já estava acostumada com essas situações. Ela já conhecia bem aquele restaurante que tinha ido com Aguinaldo pois ficava quase sempre sozinha. E quando sua mãe estava em casa, fazia apenas o tipo de comida que Fiona podia comer com a desculpa de não passar vontade na pobre coitada.

Apesar de estar acostumada, Emê nunca se sentiu conformada. Ela estava sempre se revoltando quando se deparava com esse tipo de situação, mas como ainda precisava do dinheiro dos pais para sobreviver, preferia evitar essas pessoas a todo o custo ao invés de causar confusão. Emê sentia que mesmo sendo filha dos mesmos pais que Fiona, era uma estranha naquela casa, uma intrusa, totalmente indesejada.

Eles nunca a amaram como ela merecia ser amada. Ela sabia que não.

E era levando em conta todos esses motivos que Emê de Martnália precisava se dedicar ao vôlei. Ele era a sua chave de ignição para sair daquele mundo em que ela sentia não fazer parte. Se imaginava sendo notada pela Confederação Brasileira de Voleibol nos próximos anos, e depois seria convidada para fazer parte da Seleção Brasileira de Voleibol Feminino, e daí para frente, sua vida finalmente teria o destaque que sempre mereceu ter. Ela seria valorizada por ter conquistado algo grande, e talvez, só talvez, seus pais pudessem olhar para ela com um pouquinho mais de orgulho.

Contudo, em meio a esses grandes sonhos, uma parte não se encaixava: Aguinaldo. Ela não poderia simplesmente carregá-lo de um lado para o outro enquanto participava de competições pelo mundo todo, não seria justo pois ele também devia ter seus sonhos e tinha sua vida para viver. E se eles realmente começassem a namorar, a distância seria muito grande e ela sabia muito bem o que acontecia nessas situações.

Bateu com a mão no rosto e grunhiu enquanto rolava na cama. Realmente gostava de Aguinaldo, e não queria estragar algo antes de sequer ter a chance de começar, também não queria ser uma chata que colocava empecilhos em todas as coisas, mas simplesmente não conseguia pensar em outra coisa. Precisava conversar com ele outra vez.

Pegou o celular em mãos e digitou o nome dele no aplicativo do telefone, mas antes de clicar para iniciar a chamada, hesitou. Se perguntou se não estava sendo grudenta ou ridícula demais, quer dizer, eles tinham acabado de se ver e conversaram por mais de duas horas! E também, pensou que aquele nem deveria ser um assunto importante de verdade, talvez fosse apenas paranóia, já que estava muito longe de acontecer.

Entretanto, o “se” era como uma pulga insuportável atrás da sua orelha. E se, eles realmente dessem certo e começassem a se amar e tudo mais, e de repente, tudo acabasse porque ela teria de ir embora?

Passou a mão nos fios de cabelo que estavam escorrendo para seu rosto e mordeu o lábio. Na verdade, eles tinham combinado algo durante a conversa da tarde: iriam ficar dois meses se conhecendo antes de entrar de cabeça em um relacionamento mais sério. Isso foi ideia do próprio Aguinaldo, pois ele confessou ter várias inseguranças a respeito dos sentimentos de Emê, e ela o entendia, entendia mesmo. Demorou meses para aceitar os sentimentos dele, então era mais do que justo dar algum tempinho para o garoto.

Respirou fundo e decidiu ligar, já que se eles fossem deixar essa questão se tornar um problema no futuro, era melhor nem se darem a esperança de tentar fazer dar certo agora. Portanto, ligou para Aguinaldo.

Ele atendeu no segundo toque.

— Alô. — Só de ouvir a voz dele, as entranhas de Emê se reviraram. Ela estava muito insegura, se perguntando se ele riria por ela estar demonstrando preocupação, se ele acharia que ela estava desesperada e todo o tipo de dúvidas que normalmente rondam a cabeça de uma garota quando ela liga para o garoto que gosta algumas horas depois de vê-lo.

— Oi, Aguinaldo?

— Sim, tá tudo bem? — Ele ainda não tinha feito nenhuma piada, até que começou bem.

— Sim, sim, tá tudo ótimo, er… — ela engoliu em seco.

— Tá precisando de alguma coisa? — Aguinaldo perguntou, mas em seu tom de voz Emê não identificou nenhum tipo de deboche e zombaria. Isso a deixou um pouco mais à vontade para realmente dizer o que estava pensando.

— Na verdade, preciso falar com você sobre uma coisa que, talvez não seja tão urgente assim, mas pra mim é, e me desculpa se eu estiver te incomodando — Emê riu de nervosismo.

— Sei que se não fosse urgente você não estaria ligando — ele respondeu e ela sorriu. — Pode dizer, você nunca me incomoda.

E o sorriso nos lábios de Emê apenas aumentou, e por conta do arrepio de animação que sentiu em sua espinha, ela fez uma dancinha sentada em sua cama. Ficou feliz por ele não ter visto aquilo. Martnália nunca tinha se sentido como sendo a prioridade na vida de alguém antes de conhecer Aguinaldo, e somente agora sabia o quão bom era aquele sentimento.

Então ela abriu a boca e começou a falar e ele escutou com total atenção, simples assim.

Aguinaldo era bom em ouvir as pessoas, e Emê de Martnália precisava ser ouvida em determinados momentos. E quando ele disse que o sonho dela não iria atrapalhar o relacionamento dos dois, mesmo quando ela fosse para a seleção e viajasse o mundo; Emê fez outra dancinha. E quando ela supôs que a distância os fizesse mudar de ideia, Aguinaldo apenas respondeu que mesmo assim gostaria de tentar agora e deixar essas preocupações para o futuro. Isso fez com que Emê de Martnália sentisse como se eles fossem duas peças perdidas de um quebra cabeça, agora encontradas, que se encaixavam com perfeição.

Eles conversaram novamente durante uma hora e meia sobre o assunto, e pouco antes de finalmente desligar a chamada, Emê perguntou:

— Agora, será que você pode me ajudar a pedir desculpas para a Elcione e o Beltassamo pelo que eu fiz durante as férias?

— Ainda tem isso — Aguinaldo riu do outro lado da linha. — Eles são idiotas então, só inventa que tava doente e passa um medinho neles.

— Eu não posso fazer isso com eles, Aguinaldo! Tadinhos. — Eles riram juntos. — Eu preciso pedir desculpas, o que eu fiz foi ridículo e eles não mereciam aquilo.

— Tudo bem, você é quem sabe…

— E então, você tem alguma ideia que não seja fazer maldade com os coitados?

— Hm… você pode ir amanhã comigo para o bar dos avós da Elcione e aí pedir desculpas do jeito que você quer.

— Boa ideia!

Eles conversaram por mais alguns minutos e depois desligaram. O dia já tinha se tornado noite, e pela janela de seu quarto, Emê podia ver alguns pontinhos brilhantes no céu. Ela começou a se perguntar se Deus finalmente tinha atendido seu pedido de ter alguém que realmente gostasse dela e a fizesse se sentir importante, e concluiu que precisava acreditar que sim. Precisava fazer aquilo dar certo porque talvez nunca encontrasse alguém que gostasse tanto dela quanto Aguinaldo gostava e que a fizesse sentir todas aquelas coisas boas que só sentia quando conversava com ele.

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Oiê, tudo bem? 🤠

Estamos passando por uma época fofa em TNQEV, o que você está achando dessas partes?

E o que será que nos aguarda na parte 5 (que é o próximo capítulo), será que finalmente vamos descobrir quem é o defunto? 👀

Aguarde até a próxima sexta-feira para descobrir 😏😏

Muito obrigada pela sua leitura até aqui ♥️
Beijos, até a próxima 😘😘

Todos Nós Que Estamos VivosTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang