Parte 5: Quatro anos depois do fim

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❝Estou mal, estou desaparecendo
Sou tão complicada
Aquelas coisas que eu disse
Elas eram tão superestimadas
Mas eu, sim, eu quis dizer isso
Ah sim, eu, realmente quis dizer isso❞

-Bloodstream, The Chainsmokers
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Em algum momento durante a viagem, as lágrimas de Emê de Martnália cessaram. Ela encarava a paisagem pela janela do ônibus, e apesar de ver apenas o mato baixo e uma árvore meio torta aqui e acolá, de alguma forma, achava aquilo bonito. Na verdade, os lugares e momentos mais bonitos nunca eram compostos por coisas perfeitas.

A ficha já tinha caído, ela nunca teria a chance de vê-lo outra vez, saber como estava, pedir desculpas, ou fazer qualquer outra coisa. Isso de certa forma era cômico, pois a própria Emê, na última vez em que se falaram, pediu para que ele esquecesse todas as memórias que tinham juntos, e agora, tudo o que ela conseguia e podia fazer era se lembrar do que viveram no ensino médio. Eles nunca teriam novas memórias juntos, e a última coisa que fizeram foi... brigar.

Ela balançou a cabeça para tentar impedir outra crise de choro, e quando olhou outra vez pela janela, percebeu que já estava na cidade. Depois de cerca de quatro anos, ela pisaria os pés novamente em Fotocópolis, o lugar onde não se imaginou estar por pelo menos mais uns dez anos. Até que tudo se amenizasse dentro dela.

Bem, os acidentes de trânsito nunca esperavam alguém se recuperar emocionalmente. Eles simplesmente aconteciam. E ao pensar nisso, lá estava ela se lembrando dele outra vez, porque ele amava dizer esse tipo de coisa: simplesmente acontece. Foi uma das primeiras coisas bonitas que ele lhe disse, e ela nunca seria capaz de se esquecer.

Seu interior, mais especificamente na região do peitoral, começou a arder como se estivesse em chamas outra vez. Aquela era só mais uma dose de ansiedade em um dia tão ruim. Martnália estava se sentindo sufocada com tantas lembranças, tantos pequenos detalhes que, sinceramente, preferia desconhecer sobre ele.

Ela pegou seu celular em mãos e começou a procurar algo para distrair sua mente. Estava usando os dados móveis em uma cidade pequena, então as opções eram reduzidas drasticamente. Acabou entrando em uma rede social; curtiu algumas fotos, ignorou outras; viu status de pessoas que postavam coisas que ninguém queria saber... A sensação ruim no peito continuava.

Refletiu então, que ainda não sabia quase nada sobre o funeral. A notícia que Fiona havia mandado era a manchete de um jornal local e eles não disponibilizaram muitas informações úteis sobre o caso. Foi aí que Emê percebeu que precisava saber mais sobre o que tinha acontecido, e a melhor maneira de se fazer isso era stalkeando as redes sociais de pessoas que eles conheciam.

Começou a morder a unha e a cortar com os dentes os pedaços das que restaram, e enquanto isso procurou nas buscas o nome de uma pessoa que certamente saberia mais sobre o funeral, ou pelo menos ela achava que sim; Elcione.

Elcione Alves de Jesus era um nome muito incomum no Brasil e por isso foi fácil encontrar seu perfil ali. O coração de Emê tremeu ao absorver cada detalhe que encontrava sobre a nova Elcione, a que ela não via desde a última briga que tiveram. Na foto de perfil, ela parecia a mesma de sempre, o cabelo cacheado volumoso, comprido e descolorido, os olhos pequenos e um sorriso gigante nos lábios. Na pequena biografia, Elcione deixou uma frase motivacional que surpreendeu Emê: "O agora é suficiente". Decidiu não pensar muito nisso e continuar sua inspeção. Parou na última informação deixada por Elcione em sua Bio, um @ de outra pessoa, um homem. Martnália também decidiu deixar isso para outro momento.

Desceu um pouco mais o perfil e caiu na área das fotos, a última postagem fez o peito de Emê de Martnália arder outra vez, junto com seus olhos. Lá estava ele. Quem ela tanto queria ver e que agora, só veria uma última vez dentro de um caixão. Na foto, estavam os três, agora mais adultos, sorrindo, parecendo muito felizes, e Emê sentiu na ferida aberta de seu coração que algo estava faltando naquela foto. Era ela.

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