Capítulo 15: Eu existo. Uma carta de Klong

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  "Você pode ir para casa agora. Vou permitir que você descanse por hoje."

  O professor fechou os arquivos do paciente e acenou para mim e depois agradeci. Minha mãe que estava ao lado da minha cama também agradeceu. Depois que recuperei a consciência ontem, ainda precisei ficar no hospital mais uma noite para observação. O professor havia trocado o anticonvulsivante de injeções por pílulas e me receitou ficar no hospital por mais uma noite. Claro, eu não tinha mais convulsões repetidas, mesmo que eu quisesse tanto que acontecesse. Ontem à noite, fingi que estava dormindo para que minha mãe não ficasse tão preocupada comigo. Eu já sabia que ela estava tão exausta nos últimos dois dias que eu estava inconsciente e não queria que ela se preocupasse com mais nada. Tinha fechado os olhos, embora estivesse completamente acordado por dentro. Não havia nada que pudesse ser visto de fora, no entanto, eu estava chorando por dentro, como se eu já tivesse me despedido do amor em minhas alucinações.

  O nível dos anticonvulsivantes no meu sangue foi aumentando até atingir uma constante, assim como a distância entre eu e Klong foi aumentando. Ele era a alucinação causada pelas convulsões do meu cérebro, então o remédio agiu como uma barreira entre nós dois; a barreira que lentamente se expandiu e nos manteve separados cada vez mais no processo De repente pensei sobre a versão de Klong da história; aquela sobre o Príncipe Fera e o belo príncipe e eu não tinha certeza sobre quem seria o Príncipe Fera entre nós dois. Sim, teria sido Klong antes, mas depois que percebi todas as verdades, descobri que aquele que tinha sido amaldiçoado era eu o tempo todo.

  Fui amaldiçoado pela epilepsia e essa maldição foi revertida por anticonvulsivante. Não havia amor verdadeiro que revertesse a maldição, nem o beijo de amor verdadeiro. Havia apenas o remédio que fazia isso e era o tipo de reversão de maldição que separava o amor verdadeiro de mim.

  Agora eu estava a salvo e livre de convulsões. Minha maldição foi domada e não teve mais efeito em mim. Eu deveria estar feliz? Eu me perguntava, já que o final de toda história depois que a maldição é revertida é sempre felicidade. Não, não para esta história. Eu não conseguia nem me forçar a sorrir. Se esta era realmente a minha história, o final depois que a maldição foi revertida foi sofrimento miserável; o final que eu nunca quis. Se eu tivesse escolha, teria escolhido permanecer sob o efeito da maldição. Eu não me importava mais com o que Klong era. Eu precisava dele, mesmo que ele fosse apenas uma mera alucinação.

  "Você pode descansar por um dia inteiro, mas não mais do que isso." O professor insistiu. "Os pacientes sentem sua falta. Eu também sinto sua falta."

  Eu ri ironicamente como resposta. "Sim, eu quero voltar a trabalhar... tanto."

  Quando eu estava olhando para ele, eu também estava sorrindo, porém, em minha mente, eu estava gritando com ele.

  "Te odeio! Você tirou Klong de mim! Devolva meu Klong! Devolva minha maldição! Devolva minha alucinação!"

  Mas isso era apenas minha imaginação imprudente. Foi ele quem me salvou. Se não me tratassem e continuasse a ter convulsões, não fazia ideia da gravidade da privação de oxigênio no cérebro.

  "Tudo bem, descanse um pouco." Ele disse e gentilmente deu um tapinha no meu ombro.

  Eu me despedi dele. "Estou indo, então. Vejo você depois de amanhã, professor.

  "Vou pegar o carro e esperar por você na frente do prédio, então. Infelizmente, estacionei o carro atrás do hospital. Querido, você pode esperar por mim na frente? Balancei a cabeça para ela e então ela saiu.

  Eu estava silenciosamente sozinho no quarto, novamente. Virei para esquerda e para direita para procurá-lo. Embora eu soubesse com todo o meu coração que ele nunca iria reaparecer, algumas partes de mim ainda esperavam que ele aparecesse para me dar seu sorriso brincalhão ao lado da minha cama, dizer algo sujo, piscar para mim, me paquerar com seus olhos, acariciar meu cabelo ou qualquer coisa que ele gostasse de fazer.

  Fechei os olhos e contei, um... dois... três... Ele sempre aparecia quando eu menos esperava. Ele gostava de me assustar. Finalmente contei até dez e fiz um pedido. Seria tão bom se eu o visse quando abrisse os olhos. Eu fiz isso, mas o quarto ainda estava vazio.

  "A maldição nunca voltará, não é?"

  A pergunta ficou sem resposta no ar. Nem sabia a quem iria murmurar. Eu já sabia que precisaria me decidir depois do que aconteceu. Eu precisava viver minha vida; viver o resto dela sem Klong. Estranhamente, vivi sozinho nos últimos 22 anos sem ele. Minha vida naquela época estava bem como deveria estar. Eu o reencontrei há pouco tempo. Muito pouco tempo, eu diria. Eu não sabia por que me sentia como se não pudesse sobreviver sem Klong agora. Senti como se meu peito estivesse vazio. Era um enorme espaço vazio de onde alguém havia tirado todos os meus sentimentos. Tudo o que restou foi apenas um grande buraco que foi sendo preenchido pela solidão, pouco a pouco.

  "Algum dia, Phai. Algum dia você vai superar isso." Eu me animei.

  Toc. Toc. Toc. Alguém estava batendo na porta.

  "Pode entrar" Eu disse. Deve ser uma enfermeira. Eu não acho que era a minha mãe. Ela foi buscar o carro e não voltaria tão cedo. Espere, será que era o professor? Ele não cancelaria meu descanso de um dia agora, não é?

  Não, quem estava entrando na sala não era uma enfermeira, mas uma professora. Ela deve ter a idade da minha mãe. Seu rosto me parecia familiar. Ela era da Psiquiatria Pediátrica, eu me lembro dela agora, pois quando estava naquela unidade, uma vez estive na palestra dela.

  "Hum, professora?" Não sabia mais o que dizer. Eu estava confuso sobre por que ela estava me visitando. Não seria apenas uma visita de paciente, seria?

  "Você é o Dr. Phai, não é?" Ela perguntou.

  "Sim, sou." Assenti.

  "Como posso ajudá-la, professora?" Ao mesmo tempo, eu estava analisando se havia esquecido de enviar alguma tarefa ou relatório para ela enquanto trabalhava em sua ala. Esse não seria o caso, uma vez que não houve tais tarefas e eu tinha enviado a apresentação para o jornal club¹. 

  Ela sorriu gentilmente e balançou a cabeça. "Oh, não. Não há nada que eu precise de você, doutor."

  Então ela andou e parou ao lado da minha cama onde eu estava sentado com as pernas penduradas, e ela examinou meu rosto de perto.

  "Nunca tinha reparado até poder olhar mais de perto. Doutor, você e... são muito parecidos. De fato, são muito parecidos."

  Suas palavras me confundiram.

  "Eu e o que são parecidos, professora?"

  Respondi com uma pergunta. Ela então me entregou um bilhete e isso me deixou ainda mais confuso. Peguei, mas não abri logo.

  "Abra e dê uma olhada você mesmo. Você vai descobrir como vocês realmente se parecem."

  Ela acenou para mim para me apressar. Olhei para o bilhete na minha mão e o desdobrei ligeiramente.

  Era um esboço, o meu retrato, desenhado a lápis.

  Olhei espontaneamente para cima e nem tive chance de dizer nada quando ela me entregou outro bilhete

  "Alguém queria que eu desse a você, doutor." Ela disse,

  "Eu também não acreditei nele quando ele me pediu para fazer isso, mas quando eu vi você aqui, eu acho... bem, você mesmo dê uma olhada."

  Não perguntei mais nada, mesmo que minha cabeça estivesse cheia de dúvidas. Desdobrei apressadamente o bilhete e li. Havia uma caligrafia que eu conhecia nele; a caligrafia que eu li uma vez; a caligrafia que eu lembrava tão bem e nunca esqueceria.

Eu existo, Phai. Você também, não é?

Siga minha mãe e descobrirá a verdade.

Estarei esperando por você.

Seu Klongyao


Nota:

1. Journal Club são encontros informais nos quais se discutem textos ou documentários que importam a história das ciências, da tecnologia e da medicina.

Meu Namorado ImaginárioWhere stories live. Discover now