Não Há Vizinhos Ruins

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𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 𝐐𝐔𝐀𝐓𝐑𝐎

𝗻𝗮̃𝗼 𝗵𝗮́ 𝗺𝗲𝗺𝗼́𝗿𝗶𝗮𝘀 𝗿𝘂𝗶𝗻𝘀

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𝗻𝗮̃𝗼 𝗵𝗮́ 𝗺𝗲𝗺𝗼́𝗿𝗶𝗮𝘀 𝗿𝘂𝗶𝗻𝘀

      O suspiro que escapou dos meus lábios após quase deixar o prato se quebrar na pia fez meu coração esquecer como se bombeia.
      O jornal coreano passava ao fundo e a única luz acessa era a do corredor do apartamento de Nishimura. Muitos dicionários em japonês estavam abertos encima da mesinha de centro. Papéis amassados e uma garrafa de água vazia. Minha cabeça rodava de tanto falar japonês por hoje e esse era o único momento de paz que eu poderia ter.
      Desliguei a torneira com a louça já limpa, secando minhas mãos em um pano e apoiando de costas na pia.

— Você está bem? — perguntei a Riki que enxugava seu cabelo com um toalha enquanto rolava o dedo pela tela do celular

      Ele não perecia feliz, mas também não parecia triste. Assim que me olhou levantou as sobrancelhas balançando a cabeça como se precisasse me ouvir melhor.
      Riki usava uma camiseta cinza, os cabelos negros estavam úmidos e bagunçados por conta da toalha que usara numa tentativa não muito bem sucedida de secá-lo.
       Mas ele estava bonito.

— Sim — ele sorriu pra mim

       Ele se apoiou os cotovelos no balcão da cozinha, jogando a toalha por cima do ombro e os olhos ainda vidrados no celular.
       Fiz o mesmo do lado oposto do balcão, mas sem o detalhe do celular ou da toalha.

— Quero te agradecer por ter paciência comigo e me ensinar japonês — ele olhou por cima do celular e parecia interessado


— Tudo bem — ele deu de ombros — É até cômico.

— Cômico?

— Pensar que eu preciso ensinar o alfabeto japonês para uma japonesa, é sim, cômico.

      Cômico não era a palavra. Talvez humilhante.

— Agradeço de todo jeito.

       Ele desligou o celular e por um instante me olhou como se esperasse algo mais.

— E o caderno?

— Que caderno? — indaguei com medo de que fosse algo que lhe pertencesse

— O caderno que lhe dei — abri meus lábios quando essa lembrança me veio à mente — Pedi que escrevesse sobre o seu dia para que você pudesse se lembrar e nunca mais esquecer.

— Ironicamente acho que me esqueci disso também.

      Ele rolou os olhos e agarrou meu pulso, me arrastando para a sala e empurrando meus ombros para baixo e me forçando a me sentar no carpete.
Ele vasculhou minha bolsa à procura do caderno, mas adverti sua atitude de mexer nas minhas coisas. Ele levantou de mãos abanando, sinalizando com a cabeça para que "se não posso mexer, procure você mesma" e assim o fiz.
       Abri o caderno completamente em branco em cima da mesa de centro e ele se sentou ao meu lado com uma caneta em mãos.

— Você quer que eu escreva sobre o meu dia? — eu indaguei e ele assentiu

       A ponta da caneta ficou um bom tempo paralisada acima do papel, mas não consegui escrever uma palavra sequer.

— Pode começar contando sobre o motivo de você estar aqui agora — ponderei e comecei a anotar — Ou pode escrever sobre as palavras que você aprendeu hoje, ou o que acabamos de comer.

       Ele dizia e eu escrevia, era como se ele fosse o único de nós dois que conseguisse pensar, e eu, coloco isso em prática de alguma forma.
        Assim que terminei de escrever sobre a sopa de missô que comemos no jantar, fiquei esperando a próxima coisa que Riki falaria, como uma criança que anceia pelos presentes de natal. Ele piscou os olhos, dividido entre encarar minha escrita ou meus olhos.

— Você só escreveu o que eu disse? — ele indagou com um ar preocupado

— Fiz o que me mandou fazer — olhei o caderno procurando algo errado que eu tenha feito. Ele suspirou

— Você precisa aprender sozinha, um dia você não vai mais precisar de mim, mas com certeza vai precisar disso.

       Não queria admitir que ele tinha razão.
      Ele se levantou, passando a mão pelo topo da minha cabeça como os pais fazem com as filhas. Deitei minha cabeça na mesinha e, suspirei completa derrotada.
      Minha dor de cabeça não passava e a essa altura eu nem mesmo conseguia me lembrar do hiragana do meu nome e, talvez me forçar a achar uma cura fosse realmente algo inútil. Os idosos sempre perder a memória, eu só estaria um passo à frente deles...
        Conseguia pensar em mil coisas agora, menos no que eu poderia escrever por conta própria e, observando Riki agora de longe me fez perceber que passei o dia todo com ele, então o que eu precisaria escrever, era unicamente da pessoa que eu mais odeio.

— O que? — ele indagou impaciente

— Não sei. — respondi — Você me deixa nervosa.

       Ele voltou seus passos até mim, e se abaixou a minha altura e eu, levantei meu rosto para poder vê-lo melhor agora de perto.

— Você está tentando me beijar? — indago

— Não, não estou. — ele responde

       Todas as vezes que ele se aproxima de mim desse jeito é isso que eu penso, por que ele nunca teve medo de se aproximar ainda mais.

— Mas eu sei que você quer — um sorriso debochado surge no rosto dele — É nesses momentos que você esquece que me odeia?

— Essa é a única coisa que eu não consigo esquecer Riki.

       Esse garoto sabe como irritar alguém.
        Pode até não existir vizinhos ruins, mas com certeza existem vizinhos imprevisíveis bem ao seu lado.

𝗖𝗮𝗻 𝗪𝗲 𝗧𝗮𝗹𝗸 𝗔𝗴𝗮𝗶𝗻 - 𝘯𝘪𝘬𝘪Where stories live. Discover now